POLÊMICA
Neste 16 de
outubro de 2023, trago às leitoras e leitores do blog, o controvertido tema para
reflexão. Nos artigos que abaixo transcrevo há opiniões divergentes sobre a
nacionalidade de Jesus, na condição histórica de haver nascido Ele na antiga Judeia. Qual é a sua verdadeira origem?
O fato é
que, diante da relevância de Sua Divina presença no mundo à época dominado, como ainda hoje, pela força do poder material e das armas, o que se deve realmente
considerar é o impacto que produziu na raça humana a sua grandiosa missão de amor
à humanidade.
O assunto é,
portanto, apenas um contraponto, neste momento histórico em que assistimos a
eclosão de outro lamentável conflito bélico, com temerosas e indesejáveis
consequências para a segurança das relações pacíficas internacionais entre diversas
nações, direta ou indiretamente envolvidas ou passíveis de vir a sê-lo, no
desenrolar dos fatos que a cada dia se agravam.
Shalom
aleichem!
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Livros sugeridos:
1. A INVENÇÃO DO POVO JUDEU
2. A INVENÇÃO DA TERRA DE ISRAEL
SINOPSE 1
“O livro A INVENÇÃO DO POVO JUDEU ficou 19 semanas na lista de mais
vendidos em Israel, em 2008, e é alvo de polêmica acirrada onde quer que seja
lançado. Neste trabalho iconoclasta, ao questionar a identidade dos judeus como
nação, o historiador Shlomo Sand,
ele mesmo judeu, sugere as bases para uma nova visão do futuro político da
Terra Prometida. Amparado em farta pesquisa, o autor questiona o discurso
historiográfico canônico e formula a tese de que os judeus sempre formaram
comunidades religiosas importantes em diversas regiões do mundo, mas não
constituem uma nação portadora de uma origem única. O conceito de estado-nação
é, portanto, posto em xeque, assim como a ideia de Israel como um Estado
pertencente aos judeus do mundo todo - aqueles que escolheram outra pátria em
vez de retornar à terra de seus ancestrais. Para o autor, Israel deveria
reconhecer seus habitantes, sejam eles israelenses ou palestinos. Publicado em
dez línguas, este é um livro questionador, e por isso mesmo necessário, assim
como todos os que se propõem a lançar novas luzes sobre a História e seus
mitos.”
AUTOR:
TRADUTORA:
EDITORA:
BENVIRÁ
SINOPSE 2
“Os judeus sempre acreditaram ser o povo escolhido, e que a
Terra de Israel, a Palestina, era seu território de direito, para onde deveriam
voltar ao longo da vida. Em seu primeiro livro, A INVENÇÃO DO POVO JUDEU, o
historiador israelita Shlomo Sand
colocou em xeque o mito de que os judeus são uma nação, mostrando que não há
entre eles nenhuma característica comum além da religião. Agora, em A invenção
da Terra de Israel, Sand lança uma nova luz sobre um tema polêmico e alvo de
uma das mais longas guerras iniciadas no século XX: a Terra de Israel e a
invasão do território sagrado pelos palestinos. Sand desconstrói os antigos
mitos que cercam a Terra Santa e as definições de pátria para diferentes povos,
além de dissecar o conceito de direito histórico por trás das escrituras
sagradas.”
AUTOR:
TRADUTORA:
EDITORA:
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Jesus Cristo é ancestral do povo palestino, diz artigo em jornal
Por Thiago Dearo - 3 de maio de 2013
Jesus Cristo não é judeu,
mas sim ancestral do povo palestino, diz artigo no principal jornal da
Palestina, negando os textos bíblicos.
Jesus Cristo é descrito como um “ancestral
do povo palestino e de seu patriotismo”, diz artigo publicado no
jornal governamental ‘Al-Hayat Al-Jadida’, o principal da imprensa palestina.
Embora
segundo a tradição cristã Jesus fosse judeu, o autor do artigo no ‘Al-Hayat
Al-Jadida’, insiste que os palestinos ‘são descendentes de Jesus, nascidos das
cinzas como uma ave fênix das ruínas de Nakba (a “catástrofe”, ou seja, a
independência de Israel em retórica palestina) e Naska (a vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias, segundo a mesma
terminologia).
De acordo com a publicação, a festa da Páscoa Cristã deve ser considerada não
apenas como ‘uma celebração dos cristãos
palestinos, mas de todos os palestinos, porque Jesus é um cananeu palestino’.
O próprio título do artigo “A ressurreição de Jesus, a ressurreição do Estado”,
deixa claro que Jesus e a Autoridade Palestina são uma só e estão sempre
juntos.
“A ressurreição de Jesus se
reflete na história da luta dos palestinos contra os descendentes sionistas, os
quais conspiram com os países capitalistas ocidentais que dizem pertencerem ao
mundo cristão”, diz o artigo.
Um
portal pró-Israel tem denunciado o artigo por supostamente falsificar dados
históricos, destacando entre outras coisas, que o Profeta Maomé pregava o islã
nos séculos VI-VII. Os meios hebraicos indicam que as autoridades palestinas
tentariam vincular a perseguição de Jesus pelos judeus com o alvo atual de
etnia árabe.
Segundo a organização israelense
Palestiniam Media Watch, os palestinos começaram a reescrever a história a
partir de 1990, ano em que foram publicados os trabalhos do professor e
historiador Yousuf Al Zamili. O
objetivo do historiador era questionar os vínculos históricos dos judeus
contemporâneos com a Terra Sagrada e pôr em dúvida a própria existência do
Estado Judeu. Posteriormente alguns funcionários declararam repetidamente que
Jesus ensinou o Islã. – RT
Fonte:
https://www.portalpadom.com.br/jesus-cristo-ancestral-palestino/
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Jesus Cristo preto, judeu e
palestino
Publicado em 26/12/2020
Sob o intenso sol do Oriente Médio, "moreno" seria uma forma a mais
de evitar falar da cor preta de Cristo, já que se deve considerar "a tez
de pessoas daquela região e, principalmente, analisando a fisionomia de homens
do deserto", como proferiu o designer gráfico brasileiro Cícero Moraes,
especialista em reconstituição facial forense.
A Idade Média, o Império
Bizantino e o Renascimento foram indispensáveis para erigir esse estereótipo
branco de Jesus. Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do
Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
"ao longo da história, as representações artísticas de Jesus e de sua face
raras vezes se preocuparam em apresentar o ser humano concreto que habitou a
Palestina no início da era cristã", variando de "uma figura doce em
muitas imagens barrocas ou um Cristo sofrido e martirizado como nas obras de
Caravaggio ou Goya".
Como uma população - a exemplo da brasileira - na qual mais da metade se
reconhece como preta ou parda, e 86% se declaram cristãos, entre católicos,
evangélicos tradicionais, pentecostais e neopentecostais, espíritas, segundo
dados do último censo do IBGE, se vê representada em sua religião?
Além do racismo contra as religiões de matrizes africanas, o racismo está
presente também na continuidade de um Cristo completamente anacrônico e
descontextualizado, que atende somente àqueles que veem nessa matriz religiosa
meios de dominar, e não só evangelizar, seus adeptos.
Além das inúmeras traduções (hebraico, grego, aramaico, gótico, armênio, copta,
etc.) e edições feitas no texto bíblico que, é sempre bom lembrar, não teve uma
linha sequer escrita por Jesus, as interpretações literais, principalmente
aquelas voltadas ao Antigo Testamento, poriam Jesus Cristo em contraposição ao
cristianismo, caso estivesse vivo, em carne, entre nós. A submissão feminina
justificada pela criação de Eva a partir da costela de Adão (Gn 2,21-22) é um
dentre muitos casos.
É diferente, portanto, ser
cristão e ser crístico. Com o cuidado de fugir da armadilha anacronista, também
o Novo Testamento apresenta representações idealizadas a atender demandas
políticas da Igreja Católica, que são inadequadamente mantidas em nossos dias.
A virgindade de Maria, a castidade cristã e, claramente, o Jesus europeu e
ariano, nos revelam um cristianismo anticrístico.
Onde está o "amai-vos uns aos outros como eu vos amei", presente em
vários livros bíblicos, como João, Pedro, Hebreus? Se Jesus nascesse no Brasil,
no século XXI, em condições análogas, mutatis mutandis, ao contexto de mais de
dois mil anos, seria preto, pobre, morador da periferia. Mas dificilmente
chegaria aos 33 anos de idade, pois as milícias cristãs, as políticas e
polícias do Estado (que só formalmente é laico), traficantes que atacam
religiões de matriz africana ou um cidadão de bem, que porta sua arma por
autorização legal recente, colocariam balas de fuzil bem dentro de seu crânio
quando estivesse, ainda, em sua infância, dentro de uma escola pública ou
brincando de bola nas ruas da favela. Ou seria torturado e executado por
discordar da necropolítica e denunciá-la, ao sair de um debate sobre direitos
quilombolas, indígenas, femininos, LGBTQIA+.
*Yussef
Daibert Salomão de Campos, professor da Universidade Federal de Goiás, autor do
livro Palanque e Patíbulo: o patrimônio cultural na Assembleia Nacional
Constituinte e articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais
(IBDCult)
Fonte:
https://www.jb.com.br/pais/artigos/2020/12/1027309-jesus-cristo-preto-judeu-e-palestino.html
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Jesus, o
palestino!
Bilal Ramez
Bakri – (BilalRBakri)
6 de
janeiro de 2021
Na terra da Galileia, região mais pobre da Palestina, então sob
o domínio do Império Romano, nascia Jesus Cristo, há mais de dois milênios. A
Palestina fazia parte da Síria Histórica, região que hoje engloba, também, os
estados independentes do Líbano, Jordânia e a própria Síria. Dado isso, podemos
afirmar que Jesus nasceu na periferia da periferia. A Palestina era uma
província periférica o Império Romano. E a Galileia era uma região periférica
desta província.
Jesus tinha o hábito e os modos simples dos galileus, que
contrastavam com os hábitos e modos das principais cidades da Palestina, como
Jerusalém. Até mesmo o idioma que o Jesus usava para comunicar-se era a forma
popular do língua aramaica que vigorava na época. Isso causava um escândalo
entre os sacerdotes judeus que usavam formas rebuscadas e eruditas do hebraico,
enquanto o “rabi” Nazareno comunicava-se de forma simples e usando linguagem
popular.
O povo da Palestina na época de vida de Jesus vivia sob dois
jugos, que causavam muito sofrimento e dor às pessoas. O jugo do Império Romano
que que cobrava altos impostos a uma população já em situação nada próspera, e
o jugo dos sacerdotes judeus, que além de exercerem um ferrenho domínio moral,
intelectual e religioso, exigiam ofertas em dinheiro do povo já assolado pela
pobreza.
Neste cenário em que a exploração externa imperial e a interna
sacerdotal açoitavam o lombo do sofrido povo da Palestina, surgiu Jesus. Em
relação ao Império, ele preferiu não encarar de uma forma direta, mas são
famosas as suas citações: “Dai a César o
que é de César, e dai a Deus o que é de Deus”; “O Meu Reino Não É Deste Mundo”. Quanto aos guardiães da religião
judaica, ele foi extremamente mais severo, acusando-os de hipocrisia e podridão
em mais de uma situação, e encarando-os de frente, de uma forma altiva. O
episódio em que ele levantou o azorrague contra os mercadores do templo é um
claro exemplo da posição de Jesus contra a religião judaica oficial
predominante na época. E a sua famosa profecia sobre o templo de que “Não
sobrará pedra sobre pedra”, viera a concretizar décadas depois. Os seus embates
com o grupo dos fariseus foram e são emblemáticos até hoje.
Jesus é o maior dissidente da religião judaica da História;
portanto qualificá-lo de “judeu” contém um equívoco gritante. A negação do judaísmo
e todas as suas instituições sacerdotais e religiosas rendeu-lhe a inimizade
mortal dos clérigos judeus. O único adjetivo que caracteriza Jesus de uma forma
justa e correta são os adjetivos relativos ao espaço que foi palco de sua
revolucionária mensagem. Portanto, Jesus é o Nazareno, o Galileu e, por
consequência, o Palestino, mas nunca o judeu!
Muito mais do que líder religioso no sentido estrito e
ritualístico do termo, Jesus foi um dos maiores libertadores e revolucionários
da História. A sua mensagem veio trazer libertação ao povo oprimido e
sobrecarregado na Palestina e no mundo daquela época e de todas as épocas. Ele
enfrentou audaz e nobremente os dois sistemas que aliavam-se na opressão e
exploração do povo palestino: o Império Romano e a Religião Judaica.
Dados estes fatos, e trazendo a História um pouco para
atualidade, fazemos alguns questionamentos. Se Jesus hoje se fizer carne e osso
e vier a pregar a sua mensagem, de que lado ele ficaria? Ficaria do lado do
imperialismo com suas múltiplas faces e formas, desde o neoliberalismo até o
capitalismo selvagem, até a invasão de países com matança dos povos, ou ficaria
do lado das massas oprimidas exploradas de todo o mundo?
De que
lado Jesus ficaria, do lado das instituições religiosas (muitas usam o seu
nome) que vivem a pregar impostura e a explorar os mais humildes com dízimos,
ofertas e tributos? De que lado Jesus ficaria, do lado dos sionistas judeus que
ocuparam e usurparam a Palestina, massacrando e expulsando o seu povo, ou do
lado do povo palestino que há mais de sete décadas sofre as consequências
catastróficas da Nakba?
Jesus foi, é e sempre será palestino! Jesus foi, é e sempre será
um homem do povo, aliado, libertador e líder dos oprimidos, sobrecarregados e
sofredores.
Fonte:
https://www.monitordooriente.com/20210106-jesus-o-palestino/
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Jesus
de Nazaré. Profeta da liberdade e da esperança
"A figura
de Jesus tem sido, infelizmente, um empecilho no relacionamento
entre cristãos e
judeus, uma justificativa para exclusão mútua, uma fonte
de atrito e ressentimento. É de fundamental importância que Jesus seja
reconhecido como um elo essencial entre os dois credos. Jesus é a ponte através
da qual toda a cristandade passa a ser incluída como descendente
de Abraão e, portanto, coerdeira, juntamente com os judeus, do
seu grandioso legado espiritual", escreve Henry Sobel,
rabino e ex-presidente da Congregação Israelita Paulista (CIP),
recentemente falecido.
O texto
foi publicado originalmente em: Aquino, M. F. (Org). São
Leopoldo: Editora Unisinos, 1999, pp. 89-104.
Eis
o artigo.
Henry
Sobel
29
Novembro 2019
Confesso
que hesitei antes de aceitar o convite da Editora Unisinos para
escrever este artigo. Afinal, Jesus é a figura máxima da cristandade e tive
receio de penetrar em seara alheia. Mas, pensando bem, a seara não é de todo
alheia, como veremos em seguida. Mesmo assim, traço estas linhas com profunda
humildade, pisando em ovos, ciente de que a relação entre Jesus e o Judaísmo é
das mais delicadas.
Jesus era judeu, nascido de mãe judia. Foi circuncidado no oitavo dia,
de acordo com a lei judaica (Lucas 2,21), e se considerava um judeu fiel às
suas origens. Seus ensinamentos derivam das leis e das tradições judaicas com
as quais Jesus se criou e que jamais negou. Ele era chamado de
"rabino" (João 1,49; 9,2) e frequentava o Templo de Jerusalém,
junto com seus discípulos. É uma pena que as divergências posteriores
entre Igreja e Sinagoga tenham
resultado num processo de obliteração das origens judaicas do cristianismo.
Jesus
participava em debates acerca da interpretação dos preceitos judaicos, como o
faziam outros judeus de sua época, e pregava a obediência às leis da Torá, a Bíblia hebraica.
Ensinava nas sinagogas e sua
mensagem era uma mensagem judaica, dirigida por um judeu aos seus
correligionários judeus.
Provas
da "judaicidade"
de Jesus não faltam no Novo Testamento. Por
exemplo, em Marcos 12,28-31, quando lhe perguntam qual é o principal
mandamento, Jesus responde com as palavras da Bíblia hebraica (Deuteronômio
6,4-5): "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu
pensamento e com toda a tua força." Essa afirmação de fé, conhecida
como Shenzá,
era na época — e é até hoje — repetida duas vezes por dia por todo judeu
observante. Ao Shemá,
Jesus acrescenta um segundo mandamento, que ele considera "igualmente
importante", também extraído da Torá: "Amarás o próximo como a ti mesmo" (Levítico
19,18).
Um
segundo exemplo das origens
judaicas dos ensinamentos de Jesus encontra-se no "Pai-Nosso"
(Mateus 6,9-13). Novamente, as semelhanças com as Escrituras e liturgia
judaicas são patentes: "Avinu
She'Ba'Sbamayiin", "Pai nosso que estás no céu", era
uma invocação tradicional nas preces e bênçãos judaicas; "Itkadasb sbinei raba",
"Seja santificado Teu nome", faz parte do Kadish, a principal
oração judaica de louvor a Deus; "V'al
tevieinu lo lidei nissaion", "Protege-nos contra a
tentação" consta das rezas matutinas.
A Torá diz que Deus
é nosso Pai (Isaías 63,16) e os antigos rabinos já nos ensinavam a
dirigirmo-nos a Ele como "Pai" em nossas preces. Há muitos
comentários em torno do termo aramaico Aba,
"Pai", usado por Jesus durante seus momentos de angústia no jardim Getsêmani. A
maneira como Jesus abre o coração ao Pai nessa hora mostra sua confiança em
Deus como figura paterna, mas não significa necessariamente — conforme alegam
alguns estudiosos cristãos — que essa forma de tratamento fosse um novo
conceito introduzido por Jesus.
Um
terceiro exemplo digno de menção é o Sermão da Montanha. Além de serem encontrados sugestivos paralelos entre
as bem-aventuranças e alguns versículos dos Salmos (por exemplo,
"Mas os mansos possuirão a terra", Si 37,11), Jesus afirma nesse
sermão seu amor à Torá em
termos inequívocos: "Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas: não
vim abolir, mas cumprir. (...) Aquele que transgredir um só desses mandamentos,
por menor que seja, e ensinar os homens a fazer o mesmo será declarado o menor
no Reino dos céus. Mas aquele que os observar e os ensinar, será declarado
grande no Reino dos céus" (Mateus 5,17-19). E não podemos deixar de
perceber que o imperativo moral de imitar a perfeição do Criador ("Sereis
perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste", Mateus 5:48) é muito
semelhante ao mandamento em Levítico 11,45 e 19,2 ("Sereis santos, pois Eu
sou santo").
Um
ponto frequentemente citado como prova de que Jesus se opunha aos ensinamentos judaicos é
"Ouvistes o que foi dito: (...) Odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos
digo: Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mateus 5:43).
Os estudiosos da Bíblia ainda não conseguiram determinar ao certo a fonte em
que se baseou essa afirmação de Jesus, já que em nenhum lugar do Antigo Testamento se
encontra uma injunção de "odiar o inimigo". Pelo contrário, a Torá ordena:
"Se teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se está com sede, dá-lhe de
beber. Com isso (...) o Senhor te recompensará" (Provérbios 25,21-22).
Ao
ressaltar o que há de comum entre os ensinamentos de Jesus e os preceitos judaicos, não se
pretende negar a singularidade e o caráter inovador da pregação desse grande
mestre. Pretende-se apenas mostrar quão falsa é a tão propalada tese de que
Jesus e os judeus de sua época eram adversários ideológicos. Não o eram e nem
podiam ser, pois seguiam a mesma Bíblia.
Como bem o explicou o Papa
João Paulo II, em um encontro com os membros da Pontifícia Comissão Bíblica em
11 de abril de 1997: "Não se pode exprimir de maneira plena o mistério de
Cristo sem recorrer ao Antigo Testamento. A
identidade humana de Jesus define-se a partir do seu vínculo com o povo de Israel."
Dito
isto, devemos reconhecer as importantes e numerosas diferenças entre as ideias
propagadas por Jesus e
as doutrinas judaicas. Alguns dos
pronunciamentos de Jesus negam o ensinamento judaico de que
nenhum homem pode ser um intermediário entre o Criador e os outros homens.
Jesus dizia: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai a
não ser por mim" (João 14,6). A ideia de que o relacionamento especial de
Jesus com Deus permitiria a salvação somente daqueles que acreditassem nele,
Jesus, é alheia ao judaísmo.
Os profetas hebreus castigavam
os pecadores, mas não perdoavam os pecados. Sob a perspectiva judaica, o perdão
cabe somente a Deus — ou à pessoa contra quem o pecado foi cometido. Jesus,
entretanto, acreditava ter o poder de perdoar qualquer pecado. Ele dizia:
"Saibam que o Filho do Homem tem autoridade na terra para perdoar os
pecados" (Mateus 9,6).
Mais
ainda, Jesus alegava
ter o poder de ressuscitar os mortos: "Assim como o Pai reergue os mortos
e os faz viver, o Filho também faz viver quem ele quer" (João 5,21).
Os profetas hebreus também
operavam milagres, mas frisavam que o faziam como meros instrumentos de Deus.
Quando Elias ressuscitou
o filho da viúva (I Reis 17,17-24), ele não atribuiu o milagre a si próprio,
mas sim "invocou o Senhor, dizendo: 'Senhor, meu Deus, faze com que a
respiração deste menino volte a ele!". Da mesma forma, quando Eliseu quis
ressuscitar o filho da sunamita, ele "orou ao Senhor" e a criança
reviveu em resposta às suas preces (II Reis 4,33).
No que
tange à lei de
talião, "olho por olho, dente por dente", criticada
por Jesus no Sermão
da Montanha (Mateus 5,38-39), não se tratava de uma cruel
represália física, mas sim de um princípio jurídico segundo o qual a pena deveria
ser proporcional à ofensa. Foi um progresso na jurisprudência da época, pois
antes eram comuns os excessos na prescrição de penas. Não há indícios de que
a lei de talião tenha
sido aplicada literalmente nos tempos bíblicos e sabe-se que foi mais tarde
substituída por um sistema de compensação monetária. Mesmo assim, a atitude
preconizada por Jesus, "Se alguém te esbofeteia na face direita,
oferece-lhe também a outra face", é totalmente contrária à doutrina judaica. Sob a
perspectiva do judaísmo,
oferecer a outra face é um incentivo ao agressor para que continue agindo com
violência.
O judaísmo exalta a
família, inserida no contexto maior da comunidade. Jesus advogava o celibato e
desprezava os laços familiares, considerando-os uma barreira à devoção
religiosa. Quando um de seus discípulos suplicou: "Eu vou te seguir,
Senhor, mas primeiro permite que eu me despeça dos que estão em minha
casa", Jesus o repreendeu: "Aquele que põe a mão no arado e olha para
trás não é apto para o Reino de Deus" (Lucas 9,61-62). Ele afirmava
categoricamente: "Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, sua
mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até a própria vida, não pode ser
meu discípulo" (Lucas 14,26).
O judaísmo ressalta
a importância da oração
coletiva. Exige-se um minyan (o quorum de dez homens) para as preces
principais e, especialmente, para a leitura da Torá. Isto não
significa que o judaísmo desvalorize
a oração individual, mas sim, que o indivíduo é visto como um elo na corrente
do seu povo e da humanidade. Jesus, por outro lado, criticava esta postura e
louvava a oração solitária: "E
quando rezardes, não sejais como os hipócritas que gostam de fazer suas orações
de pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos homens (...)
Quando quiseres orar, entra no teu quarto, fecha a porta, e ora ao teu Pai em
segredo" (Mateus 6,5-6).
Uma das
principais divergências entre cristãos
e judeus é a questão de Jesus ser
ou não o Redentor ou Messias. Expectativas
messiânicas já existiam antes do nascimento de Jesus e os judeus aguardavam
fervorosamente a chegada
do Messias à Terra, em cumprimento da profecia bíblica. Os
primeiros discípulos de Jesus, acreditando que ele fosse o Messias prometido
pelos profetas, acrescentaram a palavra Cristo ao seu nome (Christos, em grego, é a
tradução do termo hebraico Mashiach,
Messias, "o ungido") e essa crença tornou-se o dogma do cristianismo.
Assim sendo, sob a perspectiva cristã, já estamos vivendo na era messiânica há
2 mil anos.
Os judeus, por outro
lado, não reconhecem Jesus como Messias, simplesmente porque as profecias
messiânicas nas quais depositamos nossas esperanças não se concretizaram. A
opressão não terminou, a guerra não acabou, o ódio não cessou, a miséria não
findou. E, acima de tudo, a tão esperada regeneração espiritual da humanidade
certamente não ocorreu.
Além
dessa séria discordância entre judaísmo
e cristianismo acerca do status messiânico de Jesus,
tampouco a natureza divina de Jesus é aceita pelos judeus. A doutrina cristã de que
Deus tornou-Se homem é incompatível com os princípios judaicos. O judaísmo não
aceita nenhuma distinção entre os homens, nem admite que um homem seja superior
a outro. Os rabinos explicam
que toda a raça humana proveio de Adão.
E por que só de Adão?
Para que ninguém possa dizer que seu pai é melhor do que qualquer outro. E como
Deus nos fez todos iguais, o judaísmo não
reconhece um "Filho de Deus" que se destaca e se eleva acima dos
outros seres humanos. A convicção judaica é de que somos todos "filhos de
Deus", criados à Sua imagem, e nenhum ser humano pode ser considerado mais
divino do que os outros. De acordo com o judaísmo, Deus é Deus, o homem é homem, e
entre eles existe uma distância intransponível. Tal crença não reflete um
desrespeito ou preconceito contra Jesus. Nenhum dos nossos próprios patriarcas
ou profetas — nem Abraão, Isaac ou Jacó, nem Moisés, Aarão ou David — é
considerado divino. Na teoria judaica, com sua
ênfase rigorosa no monoteísmo, Deus não pode Se materializar em nenhuma forma.
A crença num Messias divino que é a encarnação de Deus contraria a convicção
judaica da absoluta soberania e unicidade de Deus.
O fato
de existirem diferenças entre judeus
e cristãos não deve e não pode impedir-nos de sermos
irmãos e lutarmos juntos pelos grandes e nobres objetivos universais. Irmãos
são diferentes, têm opiniões diferentes, ideias diferentes, convicções
diferentes. As diferenças em si não constituem um problema. O que constitui um
grave problema no relacionamento entre os adeptos do judaísmo e
do cristianismo é
a acusação de que os judeus mataram Jesus.
O
antissemitismo já existia bem antes da época de Jesus. Por volta do ano 450
antes da Era Comum, quando o primeiro-ministro da Pérsia, Haman, quis justificar
seu plano de matar todos os judeus do império, ele alegou o seguinte: "Há
em todas as províncias do reino um povo disperso e separado dos outros; suas
leis são diferentes das dos demais povos" (Ester 3,8). Este, e apenas
este, foi o "crime" que os judeus cometeram: eles eram diferentes.
Era
isto também que os cristãos costumavam dizer sobre os judeus. Desde o
declínio do Império Romano, a Igreja Católica se
tornara a força dominante na civilização ocidental. À medida que o cristianismo se
difundia por toda a Europa,
os judeus acabaram sobrando como os únicos dissidentes. Com impaciência cada
vez maior, a Igreja e seus fiéis procuravam enquadrar aquela minoria obstinada.
Consideravam a permanência do judaísmo não
só ofensiva como inexplicável. Era inconcebível para eles que qualquer pessoa,
em sã consciência, pudesse preferir outra fé senão o catolicismo. Por que os
judeus ainda se apegavam ao seu "falso" credo? Por que Deus ainda o
permitia? A única explicação, concluíram muitos cristãos, era que os judeus
serviam de advertência, que Deus havia condenado aqueles "assassinos de
Cristo" a viverem eternamente — rejeitados, proscritos, vagando de terra
em terra como exemplo do que acontece aos que renegam Jesus.
O sentimento antijudaico era
reforçado por tudo que diferenciava os judeus dos demais: suas leis
alimentares, suas normas de abate de animais, seu ritual de circuncisão.
Surgiram boatos de que os judeus exalavam um odor peculiar, que desaparecia no
instante em que aceitavam o batismo
cristão. Isso, por sua vez, gerou rumores de que os judeus
compactuavam com o demônio em cerimônias secretas e perversas, nas quais
praticavam "assassinatos rituais". A acusação era, na verdade, uma
combinação de várias calúnias diferentes, porém inter-relacionadas. Dependendo
da época ou do agente propagador, uma delas vinha à tona com maior ímpeto. De
acordo com a mais frequente, os judeus crucificavam crianças cristãs com o
objetivo de reencenar a crucificação de Jesus. Esta versão explica por que o
libelo era difundido mais amiúde às vésperas da Páscoa.
A
acusação de deicídio, que pesou durante séculos sobre o povo judeu e foi
uma das principais causas do antissemitismo,
é totalmente infundada. Não há evidências históricas que sustentem tal teoria.
Acusar os judeus da morte de Jesus foi uma forma mais convincente da verdadeira
acusação: a de que nem todos os judeus se tornaram cristãos.
No que
tange ao martírio e morte de Jesus, é importante lembrar o caráter opressivo do
governo romano na Judeia. Pôncio Pilatos, o procurador
romano na época de Jesus, foi especialmente cruel no exercício de suas funções.
A ele cabia, como aos seus antecessores, nomear o Sumo Sacerdote e depô-lo a
seu bel-prazer. Assim sendo, Pilatos estava
em pleno controle da situação durante o período da prisão e crucificação de Jesus. Tampouco podemos esquecer que, antes de Jesus, centenas
de outros judeus já haviam sido crucificados, a maioria por se recusar a
colaborar com as forças de ocupação pagãs. Jesus foi crucificado por soldados
romanos como criminoso político, "Rei
dos Judeus". Cabe acrescentar que a atuação de Pôncio Pilatos foi
considerada exageradamente brutal até mesmo pelos seus superiores, tanto assim
que ele foi chamado de volta a Roma para
se justificar, e nunca mais reassumiu a procuradoria.
O
suposto "julgamento" de Jesus pelo Sanhedrin, o tribunal
rabínico, não é relatado pelo evangelista João, tampouco por Lucas, o que torna
dúbia a historicidade desse episódio. No evangelho de Mateus (27,25), depois
que Pilatos lava
as mãos e diz "A responsabilidade é vossa", o povo responde: "O
seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos". A frase é a mais
terrível dos evangelhos, no que se refere ao anti-judaísmo. O
teólogo grego Orígenes,
no século III, deu o tom de como o versículo ecoaria séculos afora:
"Portanto, o sangue de Jesus derramou-se não só sobre os que existiam
naquele tempo, mas também sobre todas as gerações de judeus que se seguiriam,
até o fim dos tempos". Curiosamente, somente Mateus registra
essa suposta reação em massa, enquanto Marcos e Lucas fazem uma
distinção entre um pequeno grupo de judeus convocados por Pilatos e
"uma grande multidão de povo", que seguia Jesus e "se lamentava
por causa dele" (Lucas 23,27). O Evangelho de João, por sua vez, usa o
termo genérico "os judeus" na narrativa da Paixão, que contribuiu
fortemente para a crença na culpa coletiva e para as hostilidades antijudaicas
através dos séculos.
É
importante ressaltar que os evangelhos não
foram escritos como relatos históricos, no sentido moderno (isto é, como uma
transcrição factual de eventos), e sim como narrativas de caráter religioso. Sendo
quatro os evangelhos, os eventos foram vistos sob quatro óticas teológicas
diferentes. Além disso, os evangelistas não
trabalharam com informações de primeira mão. Há um consenso entre os eruditos,
hoje, de que os evangelhos datam de no mínimo 40 anos depois da morte de Jesus.
O padre americano Raymond Brown, autor de The Death of the Messiah (A
Morte do Messias), um estudo de 1.600 páginas, frisa que a intenção dos
evangelistas era evangelizar e, portanto, não está excluída a hipótese de que
tenham para isso se utilizado de variados recursos, inclusive a ficção.
Na
época em que foi escrito o Evangelho
de Mateus, a Igreja e os rabinos travavam uma disputa religiosa
acerca da interpretação "correta" da Bíblia judaica que ambos compartilhavam como Sagrada Escritura. Ainda uma
minoria entre a minoria judaica cercada da hostilidade do mundo romano, a comunidade de Mateus sentia-se
na necessidade de um discurso apologético para defender sua própria
interpretação e desvalorizar a dos rabinos. O Evangelho de Mateus não
hesita em se valer de todos os recursos retóricos disponíveis para atingir seus
propósitos.
Um
desses era desacreditar os rivais. Somente assim explicam-se as pesadas
invectivas contra "os
fariseus" (Mateus 23, por exemplo). Comparando o relato da
mesma cena por Marcos (12,28-34)
com o de Mateus,
percebe-se a intenção deste último. Enquanto Marcos descreve um diálogo
respeitoso entre Jesus e um escriba, Mateus registra uma crítica injuriosa
dirigida por Jesus aos fariseus como um todo. Obviamente, o Evangelho de Mateus projeta
sobre o passado (a época de Jesus) o clima de discórdia entre cristãos e rabinos testemunhado
pelo próprio evangelista. Embora tal expediente de marketing possa ter sido
justificável na ocasião, gerações posteriores de cristãos, esquecendo o
contexto histórico em que foi escrito o Evangelho
de Mateus, entenderam o texto como algo que o próprio autor não
pretendia: uma absoluta e categórica condenação do judaísmo rabínico.
E essa condenação foi usada — ou, melhor, abusada — na Idade Média para
racionalizar a perseguição
contra os judeus.
Outro
recurso utilizado pelos evangelistas foi negar a profunda identificação
de Jesus com
os ensinamentos dos fariseus, visando a transformar a mensagem de Jesus em uma nova
religião mundial e, para este fim, distanciá-la do judaísmo oficial
dos fariseus. Não era a intenção de Jesus distanciar-se do judaísmo, tanto assim
que ele declarou: "Pois eu vos digo: enquanto não passar o céu e a terra,
não passará um i ou um pontinho da Lei, sem que tudo se cumpra" (Mateus
5,18).
A
imagem negativa dos fariseus, encontrada em muitos textos cristãos, produziu
entre os católicos uma
visão gravemente distorcida do judaísmo.
O debate de Jesus com os fariseus é um sinal de que ele os levava a sério. A
eles Jesus dirigiu suas críticas sobre o establishment religioso (os saduceus,
a aristocracia judaica); foi com os fariseus que Jesus aprendeu a "regra
de ouro" ("Tudo aquilo que quereis que os homens façam a vós, fazei-o
vós mesmos a eles. Esta é a Lei e os Profetas", Mateus 7,12) e deles vem
a crença na ressurreição.
Portanto, os conflitos e controvérsias relatados no Novo Testamento devem ser
vistos como discussões entre irmãos e não como disputas entre inimigos. Ao
serem mal interpretadas, as críticas de Jesus aos fariseus tornaram-se armas
nas polêmicas antijudaicas e sua intenção original foi deturpada.
O
próprio Vaticano reconheceu
que os evangelhos, embora baseados em fatos históricos, "são o fruto de um
trabalho redacional longo e complicado". A afirmação encontra-se nas
"Notas para uma
correta apresentação dos judeus e do judaísmo na pregação e na catequese da
Igreja Católica", documento publicado em maio de 1985
pela Comissão da
Santa Sé para Relações Religiosas com os Judeus. As
"Notas" ressaltam também que "Jesus partilha doutrinas
farisaicas com a maioria dos judeus palestinos de então, por exemplo (...) as
formas de piedade — esmola, oração, jejum; o hábito litúrgico de se dirigir a
Deus como Pai; a prioridade do mandamento do amor a Deus e ao próximo"
(Notas 17).
O Talmud registra
o fato de que, na época de Jesus e nas décadas seguintes, o farisaísmo estava
dividido entre duas principais escolas de pensamento, as "casas"
de Hillel e Shammai. Em muitos
casos, Jesus seguia as interpretações mais flexíveis da Casa de Hillel, cujas
opiniões acabariam prevalecendo no Talmud,
e posicionava-se contra os pontos de vista mais rígidos e legalistas da Casa de Shammai, que
estava então em ascensão. É possível, portanto, que muitos dos conflitos entre
Jesus e "os fariseus" descritos no Novo Testamento tenham
sido, na verdade, disputas entre os próprios fariseus, com Jesus tornando o
partido de uma facção contra a outra.
Seja
como for, o retrato dos fariseus como implacáveis opositores a Jesus não
corresponde à realidade. As "Notas"
do Vaticano nos lembram que foram fariseus que preveniram
Jesus contra o perigo que ele corria (Lucas 13,31). Um documento anterior do
Vaticano, Nostra Aetate,
emitido em 1965 pelo Concílio
Vaticano II, já havia repudiado a acusação de deicídio contra
os judeus e condenado formalmente o antissemitismo. O documento afirma que a
morte de Jesus "não pode ser indistintamente imputada a todos os judeus
que então viviam, nem aos judeus de hoje". "A Igreja (...) deplora os
ódios, as perseguições, as manifestações antissemitas dirigidas contra os judeus em
qualquer época e por qualquer pessoa." Foi um passo e tanto na história
das relações
católico-judaicas.
Embora
tenham frisado a "judaicidade" de Jesus e
as raízes judaicas do cristianismo, os documentos do Vaticano mantiveram muitos
dos ensinamentos da Igreja que se mostraram altamente prejudiciais aos judeus
pelos séculos afora. As "Notas",
por exemplo, ao mesmo tempo em que citam com aprovação a declaração do Papa João Paulo II designando
os judeus como "o Povo de Deus da Antiga Aliança que jamais foi
revogada", afirmam que o judaísmo não
pode ser considerado um caminho para a salvação (salvação esta que somente pode
ser alcançada através de Jesus). Afirma também que os judeus "foram escolhidos
por Deus para preparar a vinda de Cristo" e que os eventos e personagens
da Bíblia hebraica devem
ser interpretados à luz do Novo
Testamento ("O Êxodo, por exemplo, representa uma
experiência de salvação e de libertação que não termina nela mesma, mas que se
desenvolve ulteriormente, cumprindo-se em Cristo"). Esta negação da
validade do judaísmo per se constitui um
obstáculo ao diálogo teológico. Os judeus não podem aceitar a premissa,
explícita ou implícita, de que sua redenção depende de Jesus Cristo.
Apesar
disso, o progresso alcançado nas relações
católico-judaicas nas últimas décadas é inquestionável.
Desde o Segundo
Concílio Vaticano,
as barreiras de desconfiança mútua foram gradativamente se dissolvendo. De 1965
até hoje, estabeleceram-se mais contatos positivos do que em todos os 1900 anos
anteriores. Estereótipos negativos estão sendo apagados. Referências
antijudaicas estão sendo retiradas dos livros didáticos católicos e trechos com
implicações antissemitas estão sendo removidos da liturgia. Currículos de
seminários estão sendo expurgados dos preconceitos do passado. Toda uma geração
de jovens está crescendo sem ter sido exposta ao ódio que anteriormente
envenenava as relações judaico-cristãs. Existe hoje, pelo menos entre as alas moderadas das
duas comunidades, a busca de compreensão mútua e a disposição de dialogar.
Mesmo
assim, o preconceito ainda persiste e o antissemitismo continua vivo e forte.
Na Europa,
uma onda de nacionalismo
xenófobo tem provocado em muitos
países agressões contra os imigrantes e contra diversas minorias, incluindo
os judeus.
Na Argentina,
os ataques terroristas que destruíram a Embaixada de Israel em 1992 e a sede
da comunidade judaica de Buenos
Aires em 1994 ainda não foram elucidados. No Brasil, os atos antissemitas são
esporádicos, mas o antissemitismo se manifesta com certa frequência por meio de
agressões verbais e mensagens difamatórias veiculadas pela Internet. Citando
apenas um caso: em junho de 1997, uma professora da Universidade Federal
Fluminense, em plena sala de aula, chamou de "judeus safados" o
presidente do IBGE e o presidente do Conselho de Administração da
recém-privatizada Companhia Vale do Rio Doce. Disse também a referida
professora que "o Holocausto foi pouco, não deveriam ser 6 milhões de mortos,
mas 20 milhões".
No
fundo, a acusação de deicídio pesa sobre o povo judeu até
hoje, alimentando o sentimento de ódio
contra os judeus, principalmente entre as camadas menos esclarecidas da
população. Em nosso país, por exemplo, muita gente não sabe que os recentes
documentos da Igreja não consideram mais os judeus culpados da morte de Cristo. É por
isso que estamos investindo tanto tempo e energia na consolidação de nossas
relações com pessoas de outros credos e, particularmente, com os católicos.
Quanto mais oportunidades tivermos de dialogar e conscientizar e esclarecer,
maiores nossas chances de apagar o preconceito. E quanto mais conseguirmos
apagar o preconceito, menor será o número de pessoas que se deixarão envenenar
por calúnias
antijudaicas.
A figura de Jesus tem
sido, infelizmente, um empecilho no relacionamento entre cristãos e judeus, uma
justificativa para exclusão mútua, uma fonte de atrito e ressentimento. É de
fundamental importância que Jesus seja reconhecido como um elo essencial entre
os dois credos. Jesus é a ponte através da qual toda a cristandade passa a ser
incluída como descendente de Abraão e,
portanto, co-herdeira, juntamente com os judeus, do seu grandioso legado
espiritual.
Muitos
pensadores judeus, entre os quais o filósofo medieval Maimônides,
consideraram Jesus como um instrumento divino para a conversão universal da
humanidade. Segundo Maimônides:
"Todos os ensinamentos de Jesus abriram o caminho para a vinda do Rei-Messias e
prepararam os homens para se unirem e juntos servirem ao Deus único"
(Mishneh Torah, Hilkhot Melakhim 9,4).
Creio
que é assim que Jesus gostaria de ser lembrado: não como um pomo de discórdia,
e sim como um semeador da paz entre cristãos
e judeus.
Referências:
CARROLL, Mons. Michael et al. "Within Context". Washington, D.C.:
Unites States Catholic Conference, 1987.
FEITELSON,
Rose e SALOMON, George. The Many Faces of Anti-Semitism. New York; The American
Jewish Committee, 1978
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Eugene J. "Early Christianity", Pace, 1987.
FLUSSER,
David. "Christianity", Contemporary Jewish Religious Thought. New
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Louis. The Book of fewish Beijei New York: Behrman House, Inc., 1984. TOLEDO,
Roberto Pompeu de. "A morte de Jesus", Veja, 12 de abril, 1995. WEISS-ROSMARIN, Trude. Judaism and
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David
Publishers, 1997.
WIGODER,
Geoffrey. "Ecumenism", Contemporary Jewish Religious Thought. New
York: Charles Scribner's Sons, 1987.
ZEITLIN,
Irving M. Jesus and the Judaism of his Time. Oxford University Press, 1988.
Leia mais:
o Henry Sobel
foi o arquiteto do judaísmo
o Henry Sobel,
o rabino que desafiou a ditadura brasileira, morre aos 75 anos
o Morre um
justo, o rabino Henry Sobel, herói dos direitos humanos
o Olhar judaico
sobre Jesus, o judeu
o O significado
universal do judeu Jesus. Artigo de Mauro Pesce
o Talmud, Deus
também reza todas as manhãs
o Talmud, a
revelação permanente. Artigo de Elena Löwenthal
o Os tabus
sobre judeus e cristãos, cruz e deicídio: o ponto de vista do judaísmo
o Estudiosos
querem promover junto aos cristãos um olhar mais dócil e gentil sobre os
fariseus
o “Liliana
Segre, judia. Eu te odeio”. Esses insultos cotidianos on-line
o "Os
judeus foram mortos porque eram culpados de existir." Entrevista com Elie
Wiesel
o A nova
aliança judaico-cristã: qual o significado para os judeus do novo documento do
Vaticano?
Fonte:
https://www.ihu.unisinos.br/594732-jesus-e-o-judaismo-artigo-de-henry-%20sobel
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JESUS SEGUNDO ERNEST RENAN
Joseph Ernest Renan (Tréguier, 28 de fevereiro de 1823 – Paris, 2 de outubro de 1892) foi um escritor, filósofo, teólogo, filólogo e historiador francês.
“Essa pessoa sublime, que a cada dia ainda preside o destino do mundo, é digna de ser chamada divina, não nesse sentido em que Jesus absorveu todo o divino, ou lhe era idêntico, mas no sentido em que Jesus é o indivíduo que propiciou à sua espécie o maior passo em direção ao divino. A humanidade, tomada no seu todo, oferece um conjunto de seres baixos, egoístas, superior ao animal apenas porque seu egoísmo é mais refletido. Entretanto, no meio dessa vulgaridade uniforme, colunas se erguem em direção ao céu e atestam um destino mais nobre. Jesus é a mais alta dessas colunas que mostram ao homem de onde ele vem e para onde deve se dirigir. Nele se condensou tudo o que há de bom e de elevado em nossa natureza. Ele não foi impecável: venceu as mesmas paixões que nós combatemos. Nenhum anjo de Deus o confortou, a não ser sua boa consciência; nenhum Satã o tentou, a não ser aquele que cada um traz em seu coração. Assim como muitas de suas virtudes se perderam para nós por culpa de seus discípulos, é provável também que muitas de suas faltas tenham sido encobertas. Mas nunca ninguém, tanto como Ele, fez predominar em sua vida o interesse pela humanidade sobre as vaidades mundanas. Devotado, incondicionalmente, à sua ideia, Ele subordinou todas as coisas a tal ponto que o universo não existiu mais para ele. Foi por esse acesso de vontade heroica que conquistou o céu.” (...) Jesus não será ultrapassado. Seu culto se rejuvenescerá constantemente; sua lenda provocará lágrimas sem fim; seus sofrimentos enternecerão os melhores corações; todos os séculos proclamarão que, entre os filhos dos homens, não nasceu nenhum maior que Jesus.” “Vie de Jésus” (1863), Ernest Renan
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