sábado, 28 de novembro de 2015

Na madrugada, um poema. Imenso.Triste. Profundo.







“A poesia pode ser bela, tocante, plena se não vier a perder-se nos labirínticos meandros do concretismo, se não se firmar sobre o solo arenoso dos símbolos enigmáticos e das metáforas incompreensíveis, se não se enclausurar, enfim, sob o azorrague dos carrascos do lirismo quais os que subjugaram o movimento poético dos últimos anos e que certamente tudo fizeram por colocar os livros de poesia nos níveis mais inferiores das bibliotecas e livrarias.” (Sersank)







O CAMINHO BRANCO


Vou por um caminho branco
Viajo sem levar nada.
Minhas mãos estão vazias.
Minha boca está calada.
Vou só com o meu silêncio
e a minha madrugada.
Não escuto, entre os barrancos,
a voz do galo estridente
que, na treva do terreiro,
anuncia as alvoradas.
Nem mesmo escuto a minha alma:
não sei se ela vai dormindo
ou me acompanha acordada,
se ela é vento ou se ela é cinza
ou nuvem rubra raiante
no dia que se levanta
como vela desdobrada
em nave que corta as vagas.
Não sei nem mesmo se é alma
ou apenas sal de lágrimas.
Vou por um
caminho branco
que parece a Via Láctea.
Só sei que vou tão sozinho
que nem sequer me acompanho,
como se eu fosse um caminho
pisado por vulto estranho.
Não sei se é dia ou se é noite
o que surge à minha frente,
se é fantasma do passado
ou vivente do presente.
Não sei se é a torrente clara
da água que corre entre pedras
ou se um gavião me espreita
oculto no nevoeiro,
espantalho prometido
ao meu dia derradeiro.
Atravessando barrancos
e plantações de tomate
e ouvindo o canto escarlate
de airosos galos polacos,
vou por um caminho branco:
brancura de bruma e prata.
Entre tufos de carqueja
há constelações de orvalho
e um clarão de meio-dia
cega a minha madrugada.
Vou como vim, sem saber
a razão da travessia.
Nem sequer levo na boca
o gosto de água salgada
que relembra a minha infância
feita de mar e de mangue.
Nem sequer levo nos olhos
- nos meus olhos de menino -
a mancha rubra de sangue
deixada pelo assassino
que vi certa madrugada.
Vou por um caminho branco
e nada levo nem tenho:
nem ninho de passarinho
nem fogo santo de lenho.
Só vou levando o meu nada.
Foi tudo quanto juntei
para oferecer a Deus
nesta madrugada.

LÊDO IVO
Maceió (18/02/1924) – Sevilha (23/12/2012)





BiografiaLêdo Ivo (Maceió AL 1924 - Espanha, Sevilha 2012). Poeta, romancista, contista, cronista, jornalista e ensaísta. Em 1940, transfere-se para o Recife e, influenciado pelo ambiente intelectual da cidade, publica poemas e artigos na imprensa local. Três anos mais tarde, muda-se para o Rio de Janeiro, e estuda na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Passa a trabalhar na imprensa carioca como jornalista profissional, colaborando com textos literários e reportagens. Em 1944, publica seus primeiros poemas no livro As Imaginações. Os anos subsequentes vêem sua obra literária ganhar corpo com o lançamento de poesias, romances, contos, crônicas e ensaios. Em 1949, forma-se em direito, mas não exerce a profissão de advogado, preferindo a carreira jornalística e de literato. É eleito em 1986 para ocupar a cadeira número 10 da Academia Brasileira de Letras - ABL. Em 2004 é lançada a primeira edição de suas obras completas, com seis décadas de poesia e prosa. Para os críticos e historiadores literários, Ivo filia-se à terceira geração do modernismo, com evidente preocupação com a linguagem e o retorno a sensos estéticos anteriores à fase experimental do movimento. Em 2006, doa seu arquivo pessoal, reunindo correspondências, manuscritos, recortes de jornais e fotografias, ao Instituto Moreira Salles - IMS, de São Paulo.

Fonte:

consultormei.blogspot.com.br


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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

ROMANTISMO




Imagem disponível no Google

Névoas


Nas horas tardias que a noite desmaia 
Que rolam na praia mil vagas azuis, 
E a lua cercada de pálida chama 
Nos mares derrama seu pranto de luz, 

Eu vi entre os flocos de névoas imensas, 
Que em grutas extensas se elevam no ar, 
Um corpo de fada - sereno, dormindo, 
Tranquila sorrindo num brando sonhar. 

Na forma de neve - puríssima e nua -
Um raio da lua de manso batia, 
E assim reclinada no túrbido leito 
Seu pálido peito de amores tremia. 

Oh! filha das névoas! das veigas viçosas, 
Das verdes, cheirosas roseiras do céu, 
Acaso rolaste tão bela dormindo, 
E dormes, sorrindo, das nuvens no véu? 

O orvalho das noites congela-te a fronte, 
As orlas do monte se escondem nas brumas, 
E queda repousas num mar de neblina, 
Qual pérola fina no leito de espumas! 

Nas nuas espáduas, dos astros dormentes 
- Tão frio - não sentes o pranto filtrar? 
E as asas, de prata do gênio das noites 
Em tíbios açoites a trança agitar? 

Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo 
De um férvido beijo gozares em vão!... 
Os astros sem alma se cansam de olhar-te, 
Nem podem amar-te, nem dizem paixão! 

E as auras passavam - e as névoas tremiam 
- E os gênios corriam - no espaço a cantar, 
Mas ela dormia tão pura e divina 
Qual pálida ondina nas águas do mar! 

Imagem formosa das nuvens da Ilíria, 
- Brilhante Valquíria - das brumas do Norte, 
Não ouves ao menos do bardo os clamores, 
Envolto em vapores - mais fria que a morte! 

Oh! vem; vem, minh'alma! teu rosto gelado, 
Teu seio molhado de orvalho brilhante, 
Eu quero aquecê-los no peito incendido, 
- Contar-te ao ouvido paixão delirante!... 

Assim eu clamava tristonho e pendido, 
Ouvindo o gemido da onda na praia, 
Na hora em que fogem as névoas sombrias 
- Nas horas tardias que a noite desmaia. 

E as brisas da aurora ligeiras corriam. 
No leito batiam da fada divina... 
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem, 
E a pálida imagem desfez-se em - neblina!


Fagundes Varela 



Wilson Martins
Poeta maldito
Jornal do Brasil
3.12.2005
Em nossas letras, Fagundes Varela é figura paradigmática do poeta maldito, numa escala em que, aliás, não eram os poetas tenebrosos que faltavam (Melhores poemas, Sel. Antônio Carlos Secchin. São Paulo: Global, 2005). Em 1861, as Noturnas, seu livro de estréia, continham dez poemas arcaizantes, prolongando a atmosfera byroniana da Academia de São Paulo na geração anterior: “A temática do maldito e do errante, do foragido e desenraizado predomina nesses poucos poemas, escritos no período em que ele ‘escolhia’ existencialmente a sua própria biografia (O foragido, Fragmentos, Sobre um túmulo, Tristeza), descontada a espórtula que pagou à imitação literária e aos lugares-comuns da escola”, observei na História da inteligência brasileira.
Não era, contudo, e à diferença de tantos outros, uma atitude literária ou cacoete romântico: era um destino e uma condenação prometéica. Nas palavras de Antônio Carlos Sechin, “toda a sua vida foi marcada por desencontros, projetos inconclusos, infortúnios. Na vida acadêmica, não conseguiu concluir o curso de Direito (...) na vida afetiva, foi infeliz nos dois casamentos ... dois dos seus filhos morreram antes do primeiro aniversário... dependia financeiramente do pai.. zanzou, bêbado, por lugarejos e fazendas fluminenses, declamando de improviso versos que passaram à tradição oral (...)”.
Nos românticos da geração anterior, o byronismo foi uma extravagância de juventude; ele, chegando “tarde demais num mundo demasiadamente velho”, viveu a frustração de não poder competir em igualdade, menos ainda superar, os marcos que outros haviam plantado antes dele. Sua vida desregrada foi uma vingança, uma reação de ressentimento. Era também uma obsessão obscura: em 1865, prefaciando os Cantos e fantasia, Ferreira de Menezes dizia tratar-se da “ressureição de Álvares de Azevedo”, mas, acrescento por minha conta, ele apresentava sobre o autor adolescente da Lira dos vinte anos a vantagem do amadurecimento emocional e poético. O volume incorporou para sempre à nossa literatura o “Cântico do Calvário”, além de introduzir uma nota nova no lirismo amoroso: a desgraça de uma personalidade anormal, condenada sem esperança à infelicidade e ao sofrimento.
Falecendo em 1875, ele deixou no prelo Anchieta ou O Evangelho nas selvas, tentativa, ao mesmo tempo, de epopéia cristã e reafirmação de fidelidade católica e jesuítica, linha de inspiração que seria retomada por Bittencourt Sampaio, em 1882, com A divina epopéia de João Evangelista, paráfrase evangélica a colocar na mesma estante da paráfrase vareliana da história sagrada. De fato, seus mais de oito mil decassílabos brancos, escreve Antônio Carlos Secchin, “revelam um escritor de grande domínio técnico, embora o imperativo de obediência à narrativa do Novo Testamento acabe freando maiores ímpetos de imaginação, reduzindo o nível do texto a uma mediania algo tediosa ao leitor não particularmente aficionado do assunto”. É o menos que se pode dizer a respeito de um poema mais propenso a desencorajar a fé do que a estimulá-la. Para compô-lo em alto plano poético seria preciso um pensamento poderoso, uma maturidade filosófica e uma inspiração épica que lhe faltavam por completo, idealmente imagináveis na pena de um Antônio Vieira, não na do bem intencionado Anchieta.
Sua incapacidade para tratá-lo aparece desde logo na ficção de que se serviu: os Evangelhos explicados aos índios, o que corresponde a ignorar-lhes a grandeza e a essência. Sua tarefa seria, antes, a de “interpretar” e não a de parafrasear, seria, por assim dizer, “criá-los” no piano poético, como Victor Hugo criou a história da humanidade na Légende des siêcles. Quando Varela se atreve a abandonar os carreiros estreitos da paráfrase é para cair, ou na heresia teológica, apresentando Sócrates como precursor de Jesus, ou na antecipação malvinda, com a antevisão do continente americano, ou no anacronismo puro e simples, colocando os Francos na Gália ao tempo de Jesus. Nesse quadro, surpreende encontrá-lo compromissado com a realidade social e política do momento, a exemplo do poema “A estátua eqüestre”, que encerra o volume de 1861. Trata-se da enorme polêmica que agitara o país em 1855, quando Haddock Lobo propôs à Câmara Municipal do Rio erguer um monumento ao fundador do Império, na praça da Constituição. Àquela altura, o projeto não despertou nenhum antagonismo, abrindo-se o concurso em que foi escolhido o modelo do escultor Mafra, mandado executar em Paris.
Contudo, ao se aproximar a data da inauguração, os liberais mais exaltados e os republicanos viram nessa homenagem uma tentativa dissimulada de revitalizar as instituições monárquicas. Publicado no momento da inauguração, um poema célebre de Pedro Luís chamava à estátua “mentira de bronze”, opondo a Pedro I o nome de Tiradentes como verdadeiro herói da emancipação brasileira. Datado de 1861, o poema de Varela insiste nos mesmos temas, nas mesmas imagens e paralelos históricos: “Ergue-te ousado sobre o chão da praça,/ Homem de bronze – imagem de monarca / Simulacro fatal! (...) Raça de ilotas ... por que reledes o passado escuro / Quando deveras derribar os tronos / Cantando a liberdade ? // Vota-se à treva o busto dos Andradas, / Some-se a glória de ferventes mártires / Na lama do ervaçal! / Mas fria a estátua pisa a turba, como / As dura patas do corcel de bronze / O chão do pedestal!”.
O poeta também comungou na indignação coletiva por ocasião da famosa Questão Christie – “diplomata insolente, ave maldita”: “Dize, filho da sombra, – onde aprendeste / A voar como as àguias ? ”. Reconheçamos que não estava nada mal no seu gênero, inspirando-lhe ainda, com o poema “ A São Paulo”, pátria de heróis, berço de guerreiros “, uma das páginas mais belas e perfeitas de nossa literatura poética, tanto mais admirável quanto não faz a menor alusão ao incidente diplomático: ”Foi no teu solo, em borbotões de sangue/ Que a fronte ergueram destemidos bravos (...). O que, sub-reptícia e ironicamente, significava restituir a Pedro I o seu papel no processo da Independência...
http://www.jornaldepoesia.jor.br/fvarela.html
http://www.jornaldepoesia.jor.br/wilsonmartins.html


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

UM POEMA INESQUECÍVEL




Foto by Panorama Roses

CAMPO DE FLORES

Carlos Drummond de Andrade



Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo - deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer um vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.

Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde. 

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Este é um dos mais lembrados poemas daquele que foi o maior poeta brasileiro: Carlos Drummond de Andrade. 

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Ouça 
no YOUTUBE a declamação deste belíssimo poema na voz incomparável do saudoso ator Paulo Autran:


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sábado, 12 de setembro de 2015


Do site
TEMPLO CULTURAL DELFOS
Elfi Kürten Fenske - Ano V, 2015.


Lara de Lemos - o ofício poético

Lara de Lemos - foto Acervo Delfos/PUC RS

Lara de Lemos (Porto Alegre, RS, 22 de julho de 1923 – Rio de Janeiro, 12 de outubro de 2010), professora, jornalista, tradutora e poeta. Lara Cibelli de Lemos foi criada pela avó materna em Caxias do Sul/RS, tendo ficado órfã, de pai e de mãe, aos cinco anos de idade. Formada em História, Geografia, Pedagogia, Jornalismo e Direito, Lara de Lemos fez especialização em Literatura Inglesa e Contemporânea, pela Southern Methodist University, nos Estados Unidos. Com uma ampla formação acadêmica, destacou-se no cenário gaúcho e carioca pela sua atuação como professora, tradutora, poeta e jornalista.
Em sua atuação no meio jornalístico, a autora colaborou com periódicos gaúchos, como Correio do Povo e Zero Hora, e cariocas, como Jornal do Brasil e Tribuna da Imprensa. Colaborou ainda com a Revista Diadorim, de Minas Gerais, e com a revista Colóquio-Letras, de Lisboa. Lara de Lemos foi professora de História Geral, do Quadro Único do Magistério Público Estadual do RS e funcionária do Ministério da Educação e da Cultura, atuando em diferentes funções.
A escritora viveu em Porto Alegre/RS até 1964, ano em que se mudou para o Rio de Janeiro/RJ, com os filhos. Nos anos de 1970, foi membro do Conselho Editorial da Editora Expressão e Cultura e professora assistente de Economia Política da Faculdade Cândido Mendes. Com sua aposentadoria, em 1978, passou a morar em um sítio em Nova Friburgo/RJ. 

Lara de Lemos  formatura de direito

foto Acervo Delfos/PUC RS
Embora Lara de Lemos tenha se dedicado mais à poesia, sua produção literária inicia-se pela prosa. Ela estreia na literatura com a publicação de dois contos na Revista do Globo(1): “Homem no bar” e “Mulher só”, em 1955. Em 1962, com mais oito escritores, publica quatro contos na coletânea Nove do sul: “Um ser delicado”, “Em meio da noite”, “Viagem” e “D. Eufrásia”. Entre os escritores que participam deste livro, estão Josué Guimarães, Moacyr Scliar e Tânia Faillace.
Os textos publicados inicialmente em jornais são reunidos, em 1963, no livro Histórias sem amanhã. Pelo seu conteúdo intimista, esses textos podem ser considerados crônicas subjetivas. Alguns desses relatos abordam diretamente a opressão feminina e o anseio de emancipação, sendo nítida a oposição entre os desejos íntimos da mulher e a sua vida exterior, ainda presa a condicionamentos da sociedade de base patriarcal. Entretanto, na maior parte dos textos, a autora analisa o descompasso vivenciado pelo ser humano, seja homem ou mulher, jovem ou idoso, problematizando a fragilidade da condição humana.
Na poesia, sua estreia foi com o livro Poço das águas vivas (1957), pelo qual recebeu o Prêmio Sagol. Trata-se de uma obra com foco na subjetividade, conscientemente voltada para o eu. O seu segundo livro, Canto breve (1962), dirige um olhar ao social, mas guarda a perspectiva da experiência pessoal da autora, tendência que será observada ao longo de toda a sua obra, que se constitui ainda dos seguintes títulos: Aura amara (1969), ganhador do Prêmio Jorge de Lima, do Instituto Nacional do Livro; Para um rei surdo (1973); Amálgama (1974), que reúne poemas dos livros de poesia anteriores; Adaga lavrada (1981); Palavravara (1986), Haikais (1989), edição da autora, com ilustrações de Mario Wagner; Águas da memória (1990), Prêmio Nacional de Poesia “Menotti del Picchia”; Dividendos do tempo (1995), Prêmio Açorianos de Literatura: melhor livro de Poesia; Inventário do medo (1997); Lara de Lemos: antologia poética (2002), Prêmio Açorianos de Literatura, categoria melhor livro de poesia; Passo em falso (2006). No ano de 1985, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre concedeu-lhe o Diploma de Mérito Cultural pelo conjunto de sua obra e, em 1997, a autora recebeu o Diploma de Personalidade Cultural, da União Brasileira de Escritores.
Lara de Lemos - foto (...)

Além de ter sua obra reconhecida por importantes críticos literários, como Guilhermino César, Maria da Glória Bordini, Gilberto Mendonça Telles e Paulo Rónai, Lara de Lemos ganhou notoriedade ao compor, com Paulo César Pereio, em 1961, o Hino da Legalidade, para o movimento popular pela posse de João Goulart. Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, solicitou esse hino ao grupo de artistas que frequentava uma oficina no Teatro de Equipe, que atraiu muita gente que era a favor da legalidade. Nessa época, conforme Almeida e Guimaraens (2003), Lara de Lemos participou do Comitê de Resistência Democrática dos Intelectuais, que se reunia na sede do Teatro de Equipe, em Porto Alegre, entre o final da década de 1950 e início da década de 1960.
[...]
Sobre sua poesia, de tendência contemporânea, afirmou o crítico Gilberto de Mendonça Telles:
 "o que se conta na poesia de Lara de Lemos é o que, felizmente, constitui a maior parte de sua obra: são os poemas de corte tradicional, onde uma e outra preocupação da retórica vanguardista não chega a desequilibrar a armadura do poema. (...) É aí que a poetisa consegue excelentes resultados, tornando-se uma das melhores poetisas brasileiras da atualidade."

Nota: (1) A Revista do Globo foi um periódico editado quinzenalmente pela Livraria do Globo, em Porto Alegre/RS, entre 1929 e 1967.

Fonte: PAVANI, Cinara Ferreira. Inventário de uma vida: escrita e resistência em Lara de Lemos.
 Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura. Disponível no link. (acessado em 06.07.2015).

:: Outras fontes: Delfos - Espaço de Documentação e Memória Cultural (PUCRS)/e Escritas. (acessado em 06.07.2015).



CRONOLOGIA DE VIDA DE LARA DE LEMOS

1923 - Nasce Lara Fallabrino Sanz Chibelli, em Porto Alegre, filha de Carmelo Sanz Chibelli e Wanda Fallabrino Chibelli.
1944 - Casa-se com Ajadil de Lemos, estudante de Direito.

Lara de Lemos batizado

foto Acervo Delfos/PUC RS

1945 - Conclui sua primeira faculdade: História e Geografia (PUCRS). Mediante Concurso Público, é admitida como funcionária do MEC, no cargo de Inspetora de Ensino Superior.
1947- Nasce Ajadil Ivan, o primeiro, de seus três filhos.
1951- Forma-se em Pedagogia (PUCRS)
1953 - Conclui o curso de Língua Inglesa e Literatura Contemporânea da Southern Methodist University, USA.
1955 - Mediante Concurso de Títulos, é nomeada professora de História Geral do Quadro Único do Magistério Público Estadual do Rio Grande do Sul. São publicados pela Revista do Globo seus primeiros trabalhos literários: Homem no Bar e Mulher Só.
1957 - Publica sua primeira obra: Poço das Águas Vivas, pela Editora Globo e recebe por esse livro o Prêmio Sagol para poesia inédita. Passa a colaborar em jornais e revistas como: Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil, Suplemento Literário de Minas Gerais, Caderno de Sábado e Letras e Livros do Correio do Povo, Diadorim, de Minas Gerais e Colóquio de Letras, de Lisboa.
1958 - Conclui o curso de Jornalismo e Comunicação (PUCRS).
1959 - Separa-se do marido, ficando com os três filhos sob sua guarda. No mesmo ano, adota um menino, a quem considera seu quarto filho.
1961 - Juntamente com Paulo César Peréio, compõe a letra do Hino da Legalidade.
1962 - Publica a obra Canto Breve, poesia editada pela Difusão e Cultura. Com mais oito escritores gaúchos, participa da antologia de contos Nove do Sul.
1963 - Lança Histórias Sem Amanhã, uma seleção de crônicas, pela Editora Difusão e Cultura.
1964 - Muda-se para o Rio de Janeiro com seus filhos.
1965 - Realiza traduções para a Distribuidora Nacional de Livros. Faz o Curso de Aperfeiçoamento para Professores na PUCRJ.
1966 - Casa-se, pela segunda vez, com o jornalista e publicitário Mario de Almeida. É designada para colaborar na Inspetoria Seccional de Guanabara, onde desempenhou funções como Coordenadora da Seção de Estudos e Relatórios Anuais de Estabelecimentos de Ensino Secundário e Membro de Comissões Especiais.
Lara de Lemos e a avó

1968 - Recebe o Prêmio Jorge de Lima, do Instituto Nacional do Livro, pela obra então inédita Aura Amara.
1969 - Publica o livro de poesia Aura Amara, pela Coordenada - Editora de Brasília.
1971 - É indicada pelo Prof. Newton Sucupira, para colaborar no Departamento de Assuntos Universitários, do MEC. Seu trabalho SOS é incluído na antologia crítica Poetas do Modernismo, do Instituto Nacional do Livro.
1973 - Publica o livro de poemas Para um Rei Surdo.
1974 - Lança Amálgama, uma seleção dos melhores poemas dos livros anteriores. É promovida por merecimento a Técnica em Assuntos Educacionais, do MEC. É ainda indicada como Assistente de Economia Política da Faculdade Cândido Mendes - RJ, pelo Professor João Batista da Costa.
1975 - Profere conferência sobre “A mulher na Literatura”, na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. Forma-se em Direito, na Faculdade Cândido Mendes.
1977 - Passa a integrar a equipe da Editora Imago, como Coordenadora de Editoração.  Participa do Congresso Internacional de Literatura, em São Paulo.
1978 - Aposenta-se pelo MEC, após trinta anos de dedicação ao serviço público, e muda-se para um sítio, em Nova Friburgo - RJ.
1979 - Três poemas de sua autoria são incluídos na antologia de poesia feminina Palavra de Mulher, pela Editora Fontana - RJ. Dois poemas de Canto Breve e um poema de Poço das Águas Vivas são musicados pelo maestro Bruno Kieffer.
1981 - Publica Adaga Lavrada, pela Editora Civilização Brasileira, em coedição com Massao Ohno.
1983 - Participa da primeira antologia brasileira de poemas eróticos: Carne Viva, pela Editora Anima.
1985 - Em reconhecimento pelo seu trabalho em prol da Cultura, recebe o Diploma de Mérito Cultural, pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre.



Lara de Lemos criança

foto Acervo Delfos/PUC RS

1986 - Publica Palavravara, pela Editora Philobiblion. Participa da antologia poética Poetas da Terra, publicada pelo SESC, Nova Friburgo - RJ. Onze poemas de sua autoria integram a Antologia da Poesia Brasileira Contemporânea.
1987 - A série Autores Gaúchos - IEL lança um fascículo dedicado a ela.
1989 - Publica a obra Hai Kais, editado pela autora, em Nova Friburgo.
1990 - Publica  Águas da Memória, editado pela Massao Ohno. Recebe o Prêmio Nacional de Poesia Menotti Del Picchia, instituído pela Casa Menotti Del Picchia - SP pela obra Águas da Memória.
1995 - Publica Dividendos do Tempo, pela L&PM.
1997 - Publica Inventário do Medo, pela Massao Ohno. Recebe o Diploma de Personalidade Cultural, pela União Brasileira de Escritores.
2003 - Recebe o Prêmio Açorianos de Literatura: Poesia, Porto Alegre - RS (Antologia Poética).
2006 - Publica sua última obra: Passo em Falso, pelo Instituto Estadual do Livro.
2010 - Falece Lara de Lemos, em 12 de outubro, no Rio de Janeiro.

:: Fonte: Delfos - Espaço de Documentação e Memória Cultural (PUCRS).. (acessado em 05.07.2015).


                                                 PRÊMIOS E CONDECORAÇÕES

Prêmios
:: Prêmio Sagol, para poesia inédita, pela obra "Poço das águas vivas", 1957.
:: Prêmio Jorge de Lima, do Instituto Nacional do Livro, pela obra "Aura Amara", 1968.
:: Prêmio Nacional de Poesia Menotti del Picchia, instituído pela Casa Menotti Del Picchia - SP, pela obra "Águas da memória", 1990.
:: Prêmio Açorianos de Literatura: Poesia, pela obra "Dividendos do tempo', 1996.
:: Prêmio Açorianos de Literatura: Poesia, pela obra "Lara de Lemos - antologia poética", 2003.


Condecorações
:: Diploma de Mérito Cultural, pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, em reconhecimento pelo seu trabalho em prol da Cultura, 1985.
:: Diploma de Personalidade Cultural, pela União Brasileira de Escritores, em 1997.


"Lara, desde seu primeiro livro, foi talvez a única mulher brasileira a erigir uma poesia de protesto, não feminista, mas socialmente emancipatória, sem resvalar para o panfleto ou para as versões ideológicas do nosso sofrido modo de ser nacional."
- Maria da Glória Bordini



                                                OBRAS DE LARA DE LEMOS

Lara de Lemos com 10 anos - foto Acervo Delfos/PUC RS


Poesia
:: Poço das águas vivas. Porto Alegre: Globo, 1957.
:: Canto breve: poesia. Porto Alegre: Difusão de Cultura, 1962.
:: Aura amara. Brasília-DF: Coordenada Editora de Brasília, 1969.
:: Para um rei surdo. Rio de Janeiro: Artenova, 1973.
:: Adaga lavrada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Massao Ohno, 1981.
:: Palavravara. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986.
:: Hai kais. [ilustrações de Mario Wagner]. Nova Friburgo: Edição da autora, 1989.
:: Águas da memória. São Paulo: Massao Ohno, 1990.
:: Dividendos do tempo. Porto Alegre: L&PM, 1995.
:: Inventário do medo. São Paulo: Massao Ohno, 1997.
:: Passo em falso. [dividido em: Poemas esparsos -1999-2000; Poemas esquecidos - 2001-2002; e Poemas perdidos - 2003-2005]. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006.

Crônicas
:: Histórias sem amanhã. Porto Alegre: Difusão de Cultura, 1963, 162p.

Antologia e seleta poética 

Capa do livro "Passo em falso", de Lara de Lemos


:: Amálgama. (antologia).. [Prefácio Gilberto Mendonça Teles]. Porto Alegre: Globo, 1974.
:: 
Lara de Lemos - antologia poética. [seleção e estudo crítico Volnyr Santos; apresentação Ruy Carlos Ostermann]. Coleção Autor. Porto Alegre: IEL, 2002.

Fascículo
:: Lara de Lemos. (Autores gaúchos, nº 14).  3ª ed., Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1997, 28p.

Antologias (participação)
Lara de Lemos participou também de antologias, entre as quais:
:: 
Nove do sul: contos. [organização Candido de Campos].Porto Alegre: Editora Difusão de Cultura, 1962, 152p. 
:: Poetas do modernismo: antologia crítica. [organização Leodegário A de Azevedo Filho]. Coleção de literatura brasileira, 9-9E. Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1972.
:: Palavra de mulher - poesia feminina brasileira contemporânea. [Organização Maria de Lourdes Hortas]. São Paulo: Fontana, 1979, 218p.
:: Carne viva: 1ª antologia brasileira de poemas eróticos. [Organização Olga Savary]. Rio de Janeiro: Anima, 1984, 350p.
:: Poetas da terra. Nova Friburgo: Sesc, 1986.
:: Antologia da poesia brasileira contemporânea. [organização Carlos Nejar]. Lisboa/Portugal: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1986.



                     POEMAS ESCOLHIDOS DE LARA DE LEMOS


A pedra

A pedra e o tropeço
foi apenas o acaso
ou o começo?

Depois, a inércia.
A pedra foi castigo,
destino, desgraça?

Matéria que partiu o corpo

como vidro frágil
que se estilhaça.

- Lara de Lemos, em "Poemas esparsos (1999-2000)", do livro "Passo em falso". Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006.

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A teia

Lara de Lemos (1943) - foto Acervo Delfos/PUCRS

A teia se tece
de grade sem ferro
do negro sem fresta
do muro sem pedra.

A teia se tece

do árduo da espera
do aço da espada
e sua ameaça.

A teia se tece

da fala da insídia
da rede que enreda
na mesma cilada.

A teia se tece

de liça, contenda
açoites, cobiça
invídia, solércia.

A teia se tece

de nomes antigos
de amigos perdidos
no elo das celas.

- Lara de Lemos, em "Para um rei surdo". 
Rio de Janeiro: Artenova, 1973.

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Anticanção para o Negrinho do Pastoreio

Não. Não quero a vela
para encontrar o inencontrável.

Nem quero achar gordos cavalos

que não pertencem
a nenhum só
de nossa gente.

Perca-se tudo

(menos coragem)
no perecível
das mãos que punem
homem indefeso
nas invernias.

Não quero a vela

nem teu segredo
menino-morto-assassinado
para encontrar campo
roubado
gado engordado
com tua pobreza
multiplicada.

Poupa teu choro menino-cristo

poupa teu medo, cresce
pra luta
preto com branco
branco com preto
no mesmo campo
no mesmo lado
no mesmo canto.

 Lara de Lemos, em "Aura amara". 
Brasília-DF: Coordenada Editora de Brasília, 1969.

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Anunciação

O verão se anuncia
nos pêssegos maduros
nos jardins perfumados
no rumor das asas
nas cigarras que cantam
como violinos desafinados.

As estações se sucedem.

Permanece apenas
o coração angustiado.

- Lara de Lemos, em "Passo em falso".
 Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006.

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Caçada

O dia e sua cilada
surgiram de surpresa.

No instante iníquo

não consegui rastear
a fuga. Sabia-te indefeso
à mira, ao tiro.

Despedaçaram-te.

Em cega fúria de fera
empunho meu escudo
de veneno e ódios.
Antecipo-me.

Retomo-te em meus dentes

e prossigo.

- Lara de Lemos, em "Adaga lavrada". 
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Massao Ohno, 1981, p. 35.

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Cantiga do pressentir

A noite já nos espreita
e permaneço esquecida
à beira do meu destino.
És tardo porque ignoras
que vivo do que adivinho.

Repele a palavra esquiva

não te cubras de distância,
estende um lenço, um soluço,
troca teus olhos de ausente
por dois claros de esperança.

 Lara de Lemos, em "Canto breve: poesia". 
Porto Alegre: Difusão de Cultura, 1962.

Lara de Lemos (1944) - 20 anos, formatura no
curso de História e Geografia, PUC RS
foto Acervo Delfos/PUCRS



Cantilena nordestina

Um dois
canga no lombo
carga de boi

Três quatro

quatro meninos
no quadro do quarto.

Cinco seis

na cova a miséria
cem anjos fez

Sete oito

nem pão nem farinha
café sem biscoito

Oito nove

nem verde nem planta
a chuva não chove.

Nove dez

ninguém se incomoda
pobre tu és.

- Lara de Lemos, em "Palavravara". 
Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 96.

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Da investigação

Às perguntas repetidas,
hipóteses formuladas,
o acusado deve sempre
responder com clareza.

Ao inquiridor cabe agir

com firmeza.

Pode inclinar-se à paciência

desde que o investigado
saiba que está à mercê
de traçados, peias, celas,
onde aguardará
sentença.

Caso insista o acusado

em negar crimes funestos
é praxe instigar-lhe
o medo.

Lara de Lemos, em "Inventário do medo". 
São Paulo: Massao Ohno, 1997, p. 18.

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Da resistência

Cantarei versos de pedras.

Não quero palavras débeis

para falar do combate.
Só peço palavras duras,
uma linguagem que queime.

Pretendo a verdade pura:

a faca que dilacere,
o tiro que nos perfure,
o raio que nos arrase.

Prefiro o punhal ou foice

às palavras arredias.
Não darei a outra face.

- Lara de Lemos, em "Inventário do medo". 
São Paulo: Massao Ohno, 1997, p. 22.

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De súbito é o susto

De súbito é o susto
estampado no rosto
refletido no espelho
parado na garganta.

Invasores transitam

pelo quarto
desrespeitam o sono
em furor incontido.

Colocam algemas

em pulsos inocentes.
Contra palavras – há muros
contra lamentos, murros.

Levam jovens na mira


de fuzis reluzentes.

 Lara de Lemos, em "Inventário do medo". 
São Paulo: Massao Ohno, 1997, p. 9.



Lara de Lemos e Ajadil de Lemos (1944)
foto Acervo Delfos/PUCRS

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Legado

Para Laury Maciel


Recuso-me a herança

deste poço vazio
deste lodo legado
em negligências.

Engulo a seco e calo.

Aposto em cada poema
— único engenho
ainda não vencido.

Proponho rubros jogos

olhos atentos
para o imaginário.

Ases de puro ouro

— naipes que guardo
para meu incêndio.

- Lara de Lemos, em "Adaga lavrada".
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; São Paulo: Massao Ohno, 1981.

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Poema
Para isso vim...
Não, não foi para isso que cheguei.

Vim para dar-te o pássaro, inédito de voos,

que há em mim.

Vim para secar o pranto

desse alguém que não és, mas que sonhei.

Vim para ver-te como queria que fosses

– tão indizível em mim. Tão indizível!

Vim para o refúgio da noite

e o doloroso presságio das manhãs.

Vim – campo, rosa, nuvem, pedra,

rio adormecido, luz.

Para isso vim e perdi-me.

 Lara de Lemos, em "Poço das águas vivas". 
Porto Alegre: Globo, 1957, p. 13.


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Quero-me inteira

Ah! Que terrível mutilação
Esse ter que nos dar assim
Todos os dias!

Dar-nos aos pedaços

- um pouco a um,
um pouco a outro,
sem que fique nada
de verdadeiramente nosso
em nós.

Pertencemos

aos que nos afagam por hábito,
aos que nos possuem com os olhos,
aos que nos esperam sensatos,
aos que nos amam doidos
e, afinal, aos que nos querem
como nós não somos.

Quero-me eu,

completa, autêntica, cheia de abandono
pertencendo-me sem nenhuma clemência
para com a alheia expectativa.

Eu, para dar-me ou negar-me

sem explicações, falsos pudores
ou inúteis justificativas.

Não é o melhor nem o mais fácil

o que peço.
Quero-me rir ou chorar
para viver ou morrer. Inteira.

Lara de Lemos, em "Poço das águas vivas". 
Porto Alegre: Globo, 1957

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   Se por acaso
    Para Wanda

Se, por acaso, um pássaro

pousar de leve no teu ombro
recebe-o com ternura, poupa o pranto.

Sou eu quem te visita

em meio a escombros
sou eu quem volta
para teu assombro.

A vida escorre entre os dedos

O fim me foi proposto,
eu decido:
é tempo de partir,
ainda que cedo.

Ouvir sem ouvir

ou ser ouvido:
partir antes de ter vivido.

 Lara de Lemos, em "Passo em falso". 
Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006.

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Simples investigação

Interrogam-me o rei e o seu vassalo.
As perguntas são tantas
que tropeçam num mar de
insanidades.
Respondo o que sei
o que não sei invento.
A impaciência do rei
não permite que eu
cale.

As palavras acossam

torturam
grisalham as fontes
encurralam.
Fácil perguntar.
Difícil responder
quando se perde o próprio
calendário.

Me exumam.

Sem memória ou futuro
sou apenas duas mãos unidas
por algemas.

- Lara de Lemos, em "Adaga lavrada".
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; São Paulo: Massao Ohno, 1981, p. 36.
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Vida fora

   Para Alice Ruiz 

Tudo o que vivi 
vidafora 

pranto, cansaço 
pressentimento 
febre tersã 
terçol, torcicolo 
tropeço 

dor de corte 
dor de dente 
dor de vazio 
de abandono 
de ferida 
do apostema 

foi semente 

deste verso. 
Foi adubo 
do poema.

Lara de Lemos, em "PalavrAvara". 
Rio de Janeiro: Philonbiblion, 1986.



Lara de Lemos com 14 anos - foto Acervo Delfos/PUCRS


Vida não vivida

Espero o fim da façanha.

O ocaso dos tiranos
a abolição dos mandatos
a bicicleta dos cegos
a vinda do ser biônico.

Espero o fim da patranha.

A supressão dos impostos
a queima das promissórias
a vitória nas diretas
o carnaval em agosto.

Espero o fim dos cucanhas.

Proibição das trapaças
manhãs de falas abertas
a praça para os profetas
o fim dos tecnocratas.

Espero o fim da esperança.
E vem que te aguardo ainda
nesses linhos de aconchego,
em braços de puro embalo,
em plumagens de mornura,
em claras nuvens de espuma.

Enquanto não me descobres
me perco em falas menores,
me reparto sem vontade,
tropeço pedras amargas,
naufrago secretos mares.

Lara de Lemos, em "Adaga lavrada".
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; São Paulo: Massao Ohno, 1981.

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IV - Trazes os olhos derramando estrelas
                 A Cecília Meireles

Trazes os olhos derramando estrelas.

Foges de ti por tudo o que te cerca.
Teu roteiro é a Rosa-Ventania
apontando além de tuas fronteiras.

Nos limites do mundo crias espaços

por onde segues crente e arrebatada,
repartindo teus dias, teus abraços,
teu jardim, tuas fontes, teus segredos.

Renasces a cada morte prematura

com tesouro maior e mais profundo,
à grandeza do amor acostumada.

Inventando canções enternecidas,

prossegues com teu cântaro de sonhos
reverdecendo em cada madrugada.

Lara de Lemos, em "Canto breve: poesia".
Porto Alegre: Difusão de Cultura, 1962.


Lara de Lemos autografando - foto Acervo Delfos/PUCRS

  

FORTUNA CRÍTICA DE LARA DE LEMOS
[Estudos acadêmicos - teses, dissertações, monografia, ensaios e artigos]
BEZERRA, Kátia da Costa. Lara de Lemos: o tenso rememorar da ditadura militar no Brasil. Graphos, Revista da Pós-Graduação em Letras - UFPB, João Pessoa, Vol 6., N. 2/1, 2004 – p. 85-94. Disponível no 
link. (acessado em 06.07.2015).
BORDINI, Maria da Glória. Ofício poético com inteligência e paixão. In: LARA DE LEMOS. 3ª ed. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1997 (Autores Gaúchos, 14).
p. 23.
BORDINI, Maria da Glória . Erico Verissimo. Lara de Lemos. Lila Ripoll. Lya Luft. In: ZILBERMAN, R.;MOREIRA,M.E. ; ASSIS BRASIL, L.A. (Orgs.) Pequeno dicionário da literatura do Rio Grande do Sul.. Porto Alegre: Novo Século, 1999 (Verbete de dicionário).
CALDEIRA, Evandro Weigert. Inventário do medo: a realidade social na poesia de Lara de Lemos. (Dissertação Mestrado em Letras Teoria da Literatura). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, 2000.
CASTRO, Nea Maria Setúbal de.. Lara de Lemos - a poesia da hera e do musgo. Expressão (Santa Maria), Santa Maria, v. 1, p. 142-146, 2000.
CASTRO, Nea Maria Setúbal de.. Los pájaros en la poesía de Lara de Lemos: el melancólico ejercicio de lo sublime. Contexto -Segunda etapa, vol. 12, nº 14, año, 2008. Disponível no 
link. (acessado em 06.07.2015).
CASTRO, Nea Maria Setúbal de.. Os pássaros na poesia de Lara: o melancólico exercício do sublime.Revista T 180 rama - Vol. 2, nº 4,  2º Semestre de 2006 - p. 179-189.
COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001. São Paulo: Escrituras, 2002, 750p.; São Paulo: Siciliano, 1993.
GALLI, Joice Armani. O tempo,a morte e a existência em 'Dividendos do Tempo', de Lara de Lemos.Nonada (Porto Alegre), v. 1, p. 103-116, 2000.
KIELING, Márcia Schild. Aplicando a fenomenologia de Ingarden: análise do poema Natal, de Lara de Lemos. Letras de Hoje, v. 41, p. 465, 2006.
LOBO, Luiza. Guia de escritoras da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Faperj, 2006, 289p.
MOISÉS, Massaud. A literatura como denúncia. São Paulo: Íbis, 2002.
NEU, Daniela Damaris. A Lírica de Lara de Lemos: Percurso Histórico e Perspectivas da Questão de Gênero. (Monografia Graduação em Letras). Centro Universitário Franciscano, UNIFRA, 2008.
NEU, Daniela Damaris; RODRIGUES, Inara de Oliveira. História e Sociedade na Lírica de Lara de Lemos. Disciplinarum Scientia. Série Artes, Letras e Comunicação, v. 7, p. 137-157, 2007. Disponível no 
link. (acessado em 06.07.2015).
NEUENFELDT, Daniela Damaris. A representação da mulher na poesia de Lara de Lemos.(Monografia Graduação em Letras). Centro Universitário Franciscano, 2008. 

Lara de Lemos  formatura em jornalismo, 1953

foto Acervo Delfos/PUCRS

PAVANI, Cinara Ferreira. As águas da memória e do esquecimento em Lara de Lemos. In: Riata Lenira de Freitas Bittencourt; Rita Terezinha Schmidt. (Org.). Fazeres indisciplinados: estudos de literatura comparada. 1ª ed., Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2013, v. , p. 75-82.
PAVANI, Cinara Ferreira. As águas da memória e do esquecimento em Lara de Lemos. In: V Colóquio Internacional Sul de Literatura Comparada, 2012, Porto Alegre. V Colóquio Internacional Sul de Literatura Comparada - Fazeres indisciplinados. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. v. 1. p. 1-8.
PAVANI, Cinara Ferreira. Inventário de uma vida: escrita e resistência em Lara de Lemos. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura. Disponível no 
link. (acessado em 06.07.2015).
PAVANI, Cinara Ferreira. A memória dos anos de chumbo em "Inventário do medo", de Lara de Lemos. Diadorim (Rio de Janeiro), v. 5, p. 13-23, 2010.
PAVANI, Cinara Ferreira. Lirismo e realidade social na poética de Lara de Lemos. Antares: Letras e Humanidades, v. 1, p. 42-57, 2009.
SANTANA, Évila de Oliveira Reis. Charlotte Delbo e Lara de Lemos: poesia feminina, testemunho e resistência na era das catástrofes. Sitientibus (UEFS), v. 42, p. 87-101, 2010. Disponível no 
link. (acessado em 06.07.2015).
SILVA, Maria Cristina Müller da.. Lara de Lemos: mulher na literatura.. In: VII Seminário Internacional de História da Literatura, 2007, Porto Alegre, RS. Anais do VII Seminário Internacional da Literatura: Novos Olhares, Múltiplas Perspectivas, 2007.
ZILBERMAN, Regina. Poesia feminina em tempo de repressão as mulheres que se expressaram em verso nos anos 70 e 80. Signótica, v. 16, n. 1, p. 143-169, jan./jun. 2004.


ESPETÁCULO DE TEATRO
Peça:
 Pluft, o fantasminha
Estreia: 1961
Local de realização: Porto Alegre RS
Instituição: Teatro de Equipe
Ficha Técnica
Autoria: Maria Clara Machado
Direção: Paulo César Pereio
Cenografia: Lara de Lemos e Mario de Almeida
Elenco/Personagem: Cristina Zanini; Ivete Brandalise; J. Carlos Moreira; Mario de Almeida; Milton Mattos; Suzana Mattos
Produção: Teatro de Equipe
:: Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural (acessado em 06.07.2015).



AMIZADES LITERÁRIAS E FAMÍLIA
Carlos Stein, Moacyr Scliar, Tânia Faillace, Sérgio Jockymann, Lara de Lemos,
Luiz Carlos Ostermann, Luis Leher e Álvaro Campos, no lançamento da
 antologia de contos "Nove do Sul", 1962

Guilhermino Cesar, Lara de Lemos e Moysés Vellinho, 1961

Antônio Carlos Villaça, Mario Quintana, Paulo Mendes Campos, Lara de Lemos e 
Raquel Jardim, Porto Alegre, 1976 -  foto Acervo Delfos/PUCRS

Lara de Lemos - aniversario dos 50 anos de Erico Verissimo - foto Acervo Delfos/PUCRS

Lara de Lemos e Mario Quintana (1962) - foto Acervo Delfos/PUCRS

Lara de Lemos e os filhos - foto Acervo Delfos/PUCRS

Último pedido



Quero ver o mundo,
ouvir pássaros,
colher flores
que estão a um passo.

Sou um ser perdido:
não neguem meu último pedido.

- Lara de Lemos, em "Passo em falso". 
Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006.


NA REDE


Lara de Lemos - foto Acervo Delfos/PUC RS


REFERÊNCIAS E OUTRAS FONTES DE PESQUISA

© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske

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Trabalhos sobre o autor:
Caso, você tenha algum trabalho não citado e queira que ele seja incluído - exemplo: livro, tese, dissertação, ensaio, artigo - envie os dados para o nosso "e-mail de contato", para que possamos incluir as referências do seu trabalho nesta pagina. 

Fonte:


FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Lara de Lemos - o ofício poético. Templo Cultural Delfos, julho/2015. Disponível no link.




"A arte é o espelho da pátria. 
O país que não preserva os seus valores culturais j
amais verá a imagem de sua própria alma."
- Chopin

(acessado em 12/09/2015)


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EL VIAJE DEFINITIVO - Poema de Juan Ramon Jimenez

https://www.youtube.com/watch?v=GspatgDGhO8&feature=emb_rel_end