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MÁRIO FONSECA
Mário Alberto de Almeida Fonseca nasceu na cidade de Praia, em Cabo Verde, em 1939. Foi professor de francês no Senegal, trabalhou na Mauritânia e na Turquia como administrador. Perseguido político durante a ditadura salazarista, em Portugal, durante a fase da descolonização.
Obra poética: Près de la mer, Mon
pays est lune musique, e Poissons. Sua obra foi traduzida a diversos idiomas.
VIAGEM NA NOITE LONGA
Na noite longa
minha alma
chora sua fome de séculos
Meus olhos crescem
e choram famintos de eternidade
até serem duas estrelas
brilhantes
no céu imenso.
E o infinito se detém em mim
Na noite longa
uma remotíssima nostalgia
afunda minha alma
E eu choro marítimas lágrimas
Enquanto meu desejo heroico
de engolir os céus
se alarga
e é já céu
Tenho então
a sensação esparsamente longa
de vogar no absoluto.
(Selô,1962)
ONDE FINCAR OS PÉS...
Onde fincar os pés senão nas estrelas?
Onde senão no sólido chão das estrelas?
Aqui?
Aqui onde medra medra a flor?
Aqui onde medra medra a flor?
Oh rosa!
Que amar senão tua inexistente essência?
Que amara senão teu persistente sonho?
Que amara senão teu persistente sonho?
Isto?
Isto desta implacável gramática?
Oh rosa!
Onde fincar os pés senão em tuas inexistentes pétalas?
Onde fincar os pés senão em tuas inexistentes pétalas?
Onde senão no inexistente sonho de tuas persistentes pétalas?
Aqui?
Aqui onde tudo o que medra é só e apenas terra?
Oh tu embora da terra!
Oh tu embora do chão do coração!
Que amar senão as estrelas?
Aqui onde tudo o que medra é só e apenas terra?
Oh tu embora da terra!
Oh tu embora do chão do coração!
Que amar senão as estrelas?
Que amar senão as estrelas
que estrelas são, palpitantes
E as inconsistentes rosas
Que persistentes cantam dentro do meu coração?
que estrelas são, palpitantes
E as inconsistentes rosas
Que persistentes cantam dentro do meu coração?
BECO SEM SAÍDA
Ao Dr. Antonio Carlos Baeta, “desertor de
si”.
No deserto
Em que tudo
não chega a ser mais que nada
Não há espaço para nada
Nem mesmo para não esperar
Ou para desertar
Pois que para lado algum
Ninguém nunca deveras partiu
Deste deserto
Ninguém nunca deveras partiu
Para lado nenhum
Deste deserto
Em que tudo
não chega a ser mais que nada
Não há espaço para nada
Nem mesmo para não esperar
Ou para desertar
Pois que para lado algum
Ninguém nunca deveras partiu
Deste deserto
Ninguém nunca deveras partiu
Para lado nenhum
Deste deserto
Ninguém
Nunca
Deveras
Partiu
Deste deserto
Ninguém
Nunca
Nunca
Deveras
Partiu
Deste deserto
Ninguém
Nunca
Deveras
Partiu
De lado algum
Para lado nenhum.
ESTA É A CANDENTE TERRA...
Partiu
De lado algum
Para lado nenhum.
ESTA É A CANDENTE TERRA...
A la mémoire demon
jeune frère,
Daniel Rui de Almeida Fonseca,
sous — lieutenant de l´armée portugaise,
mort a l´âge de 24 ans, en combat, au
Daniel Rui de Almeida Fonseca,
sous — lieutenant de l´armée portugaise,
mort a l´âge de 24 ans, en combat, au
Mozambique.
Esta é a candente terra de negrura
Onde debalde ficamos a nossa dor
E o sangue inocente que ainda jura,
No chão da maldição, em imenso clamor.
Olvidado na pompa e na púrpura
Da investidura de reinos sem pudor,
Construídos no terror e na mentira
Da traição à sacra promessa de amor.
Esta é a pungente terra de amargura
Onde como erva torpe medra a dura
Ditadura e cresce o crime no negrume
Onde debalde ficamos a nossa dor
E o sangue inocente que ainda jura,
No chão da maldição, em imenso clamor.
Olvidado na pompa e na púrpura
Da investidura de reinos sem pudor,
Construídos no terror e na mentira
Da traição à sacra promessa de amor.
Esta é a pungente terra de amargura
Onde como erva torpe medra a dura
Ditadura e cresce o crime no negrume
Da súplice solidão em que a multidão
Vencida já nem crê que o afiado gume
Que redime decepe o poder da negridão.
Vencida já nem crê que o afiado gume
Que redime decepe o poder da negridão.
ENQUANTO NÃO SOAR A HORA..
Enquanto não soar a hora da minha morte,
Louvar eu quero a sorte eu me couber,
Já que, por mais que amar, um tão forte
Amor, que só a morte mata, merecer
Não posso, ainda que tivesse arte.
Mulher, enquanto durar o vício de viver,
Que persiste mesmo quando é mais morte
Que vida, a vida que consente o poder,
Quero somente andar, nadar e cantar,
Comungar e cultivar o meu pomar,
E à tua amada sombra adormecer...
Pois só inepta sina ou príncipe consorte
Pode requerer poder a quem tem poder,
Que este com sorte e morte se merece,
Com morte e arte permanece.
Página publicada em setembro de 2008
Fonte:
19jan2017
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