ABDICAÇÃO *
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho... eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
E chama-me teu filho... eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa, 1913
* Para melhor compreensão do significado deste
belíssimo soneto, leia a seguir a
Carta de Fernando Pessoa ao amigo Mário Beirão, em
01 de Fevereiro de 1913 comentando sobre como escreveu este poema:
“Meu querido Mário Beirão:
Deu-me um grande prazer a sua carta de 25, que
há dias recebi. Tinha muita pena, é certo, que v. não me tivesse escrito ainda,
mas, como eu também lhe não tinha escrito, não me cabia o direito objectivo de
ter essa pena. O pior para mim é que eu, por certo, sinto mais a falta de
correspondência que v. Estou, quanto a companhia espiritual e imediata, quase
só, se não só em absoluto... Não sou das pessoas menos acompanháveis por si
próprias, mas ainda assim — e de vez em quando aborreço-me de não andar senão
comigo.
Por isto a sua carta, ainda que breve, me causou
uma grande alegria.
Estou atualmente
atravessando uma daquelas crises a que, quando se dão na agricultura, se
costuma chamar "crise de abundância". Tenho a alma num estado de
rapidez ideativa tão intenso que preciso fazer da minha atenção um caderno de
apontamentos, e, ainda assim, tantas são as folhas que tenho a encher que
algumas se perdem, por elas serem tantas, e outras se não podem ler depois, por
mais que com muita pressa escritas. As ideias que perco causam-me uma tortura
imensa, sobrevivem-se nessa tortura escuramente outras. V. dificilmente
imaginará que a Rua do Arsenal, em matéria de movimento, tem sido a minha pobre
cabeça. Versos ingleses, portugueses, raciocínios, temas, projetos, fragmentos
de coisas que não sei o que são, cartas que não sei como começam ou acabam,
relâmpagos de críticas, murmúrios de metafísicas... toda uma literatura, meu
caro Mário, que vai da bruma - para a bruma - pela bruma...
Destaco dessas coisas psíquicas de
que tenho sido o lugar o seguinte fenômeno que julgo curioso.
V. sabe, creio, que de várias fobias
que tive guardo unicamente a assaz infantil, mas terrivelmente torturadora
fobia das trovoadas. Outro dia o céu ameaçava chuva e eu ia a caminho de casa e
por tarde não havia carros. Afinal não houve trovoada, mas esteve iminente e
começou a chover - aqueles pingos graves, quentes e espaçados - ia eu ainda a
meio caminho entre a Baixa e minha casa. Atirei-me para casa com o andar mais
próximo do correr que pude achar, com a tortura mental que V. calcula,
perturbadíssimo, confrangido eu todo. E neste estado de espírito encontro-me a
compor um soneto - acabei-o uns passos antes de chegar ao portão de minha casa
-, a compor um soneto de uma tristeza suave, calma, que parece escrito por um
crepúsculo de céu limpo. E o soneto é não só calmo, mas também mais ligado e
conexo que algumas coisas que eu tenho escrito.
O fenômeno curioso do desdobramento é
coisa que habitualmente tenho, mas nunca o tinha sentido neste grau de
intensidade.
Como prova do género calmo do soneto, aqui lho
transcrevo.
Dê saudades minhas ao Vila-Moura e escreva-me
breve e o mais extensamente que puder.
Um grande abraço do seu dedicadíssimo
FERNANDO PESSOA
Rua Passos Manuel, 24, 3.º E.
(Carta retirada do livro
"Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação", Ed. Ática.)
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Fragmento do artigo de Nilza Vianna, Distrito Federal, O Espírita. Nº 47, out. nov./86,
Brasília. DF, transcrito no Anuário Espírita 87, (IDE) - Ano XXIV, nº 24, pág. 124)
De improviso, Fernando Pessoa compôs este belíssimo soneto, que sintetiza a nossa trajetória pelos caminhos terrenos além dos milênios.
MEDIUNIDADE
: O PRECIOSO TESTEMUNHO DE FERNANDO
PESSOA
Os fenômenos mediúnicos
, como sabemos, têm-se manifestado desde os primórdios de nossa civilização e
pontificado nas mais diversas áreas do conhecimento humano.
Assumindo conotações as
mais variadas, muito embora tenham deixado marcas irrefutáveis ao longo da
história, somente com o advento da Doutrina Espírita, codificada por Allan
Kardec, puderam ser convenientemente analisados, esclarecidos e desmitificados
dos aspectos sobrenaturais pelos quais vinham até então sendo conhecidos.
Hoje sabemos, graças à
riqueza de esclarecimentos encontrados em O
Livro dos Espíritos, entre outros, no Capítulo IX, parte segunda, perguntas
n.os 459 a 462, que os espíritos exercem permanente influência em
nossos pensamentos e atos, estando até mesmo os homens inteligentes e de gênio,
passíveis de receberem idéias e sugestões vindas do invisível.
Dentro dessa
premissa, no campo da Literatura, por exemplo, entre os muitos casos que se
conhece, julgamos merecedor de destaque especial, como inequívoco patenteador
de influenciação espiritual recebida pelo ser humano, o do grande escritor e
poeta português Fernando Pessoa (...)
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Um comentário:
'os espíritos exercem permanente influência em nossos pensamentos e atos, estando até mesmo os homens inteligentes e de gênio, passíveis de receberem ideias e sugestões vindas do invisível'.
Tenho plena certeza disto e hipotetizo que àquilo a que chamamos de intuição nada mais é que conselhos de nosso guia espiritual, tentando nos colocar no caminho certo. Resta a nós termos a perspiracia do entendimento dessa comunicação espiritual tão sutil.
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