Uma Tarde
Sergio
de Sersank
“Aquém dos retratos de pé sobre a
mobília, não aceito, pai, as mortes neste tempo em que o ser humano finda sem
cumprir-se. Que foi sua vida senão colecionar escadas para elevar-nos a uma
altura maior que suas derrotas?”
Moacyr
Felix (Em nome da Vida)
Aquela fora, sem dúvida, a mais fria das tardes do
outono. Ao pé do velho fogão de lenha aceso, meus irmãos menores e eu, metidos
em blusas e japonas bem surradas, esperávamos impacientes pelo jantar muito
simples que as mãos prodigiosas de nossa mãe esmeravam-se em tornar do agrado
geral. Inusitado ruído na porta da frente, então, sobressaltou-nos. Seria o
vento?
Nosso pai que estava algo absorto junto à mesa ergueu-se
e, foi destrancá-la, cautelosamente.
Eram os velhos espectros da Miséria e do Infortúnio, o
par sinistro, inseparável, que não se cansa de rondar lares humildes, tudo
fazendo por roubar-lhes as poucas reservas de paz, a leve esperança que têm.
Com sua energia característica, embora a custo, ele os
conteve, à porta. Sobre os seus ombros, uma e outra, as tais formas horrendas,
lançavam sobre nós os seus olhares sepulcrais. Exortadas com veemência,
tornaram à rua estreita onde a espessa neblina as tragou.
– “Que não ousassem jamais adentrar-nos a casa!”
Nunca mais pude esquecer essa firme expressão de coragem.
– “Que não ousassem!”...
Quantas
vezes mais tarde insistissem, mais que com a energia dos braços,
fustigá-las-íamos com brio idêntico àquele que vimos, naquele dia, estampado
no olhar de guerreiro de um pai.
Do livro “Estado de Espírito” (Ed. Ithala, Curitiba,
2013)
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