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Ouço as vozes. Ouço os passos...
Ei-los!... Vêm brandindo os braços,
têm as ganas de Caim.
Vêm aos gritos, agitados,
olham por todos os lados,
seguem-me os passos, assim...
Precisavam de um culpado
para dar por encerrado
o seu macabro festim.
Oh, meu Deus, esses bandidos
já não podem ser contidos
e há um muro diante de mim...
Não são poucos. Ouço-os perto.
Vejo os vultos. Já por certo
Antegozam o meu fim.
Não terei quem me defenda,
não importa que me renda,
que peça clemência, enfim.
Eis que me avistam. Eu tremo,
esmurro o ar e blasfemo,
maldigo a canalha ultriz!
Prosto-me ao chão, derrotado
e ao filme do meu passado
Assisto. Sou meu juiz.
No assombro que me avassala
tudo a esvair-se me fala
das estultices que fiz.
Exaurido, o peito arfante,
eis-me num quadro de Dante.
Ensandeço. Caio em prantos.
Vejo as sobras, pelos cantos,
do mundo, outrora, feliz...
Num julgamento sumário
tenho meu próprio Calvário
como Dimas, o ladrão...
Ai, meu Deus! Estão à frente!
Erguem-me, violentamente,
assim me trucidarão!...
A lembrança de Jesus
alçado à infamante cruz
um certo alívio me traz!
Mas, minh'alma, em dor pungente,
mais não logra, infelizmente
do que esse instante de paz...
Ouso afrontá-los! Não tenho
do martírio - a vocação.
Matem-me, pois, carniceiros!
Chamá-los-ão "justiceiros"
por troféu me exibirão.
Mas só terão um cadáver.
ao homem nunca terão.
(Do livro "Estado de Espírito", de Sersank)
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