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O FILHO QUE NÃO TIVEMOS
Sergio de Sersank
Avançam pela fria madrugada as horas
intermináveis.
Eu o escuto de novo
bater levemente, à porta...
Inútil, porém, abri-la.
Não tem ninguém lá.
Ele, invisivelmente, bate.
Passa-me a impressão de estar infeliz
na escuridão
no frio lá fora...
Foi uma decisão infeliz aquela
nos primeiros anos de casamento.
Éramos muito pobres.
Entendíamos que uma criança
nascida naquele contexto de dificuldades
financeiras
não seria plenamente saudável e feliz...
A noite avança.
Sigo bebendo.
Sibila o vento pelas frestas das janelas.
E o filho que não tivemos, insistentemente
bate.
Pergunta pela mãe que nunca lhe cantou uma
cantiga de ninar
e mesmo assim a amou desde o princípio.
Minha mulher repousa em sono profundo.
Não a acordaria agora.
Arrasto-me aos confins de um precipício
interno.
Talvez a demover-me dessa angústia
ele me vem pedir:
- Abre a porta, Pai!
Envelhecemos.
Já nem teria forças para abrir a porta.
É bom que a companheira nessas horas
durma.
É frágil, anda adoecida.
Tornaram-se cada dia mais difíceis as
coisas.
Falta-nos, agora, o necessário.
Nem sempre nos brindamos com frugal almoço
ou simples jantar.
Ele bate-me à porta.
Ouço-o no rumor do vento.
Sinto profundamente sua falta.
Ah, se tivéssemos conosco,
a nos enternecer com suas narrativas
e a nos confortar com seus afagos,
o filho que não tivemos!
Por algum tempo
eu o imaginei nos seus primeiros meses:
menino feliz, vivaz e sorridente
depois - crescendo mais
já nos dizendo
palavras afetivas, corriqueiras.
Reinvento detalhes de nosso possível convívio
e do seu extremado amor.
Sinto sua falta
a suavidade dos seus beijos.
Certamente amaria demais sua mãe.
Ter-me-ia por ídolo seu.
E eu ficaria encantado
toda vez que o ouvisse a me chamar: - Papai!
Talvez ele tenha vindo se despedir e nunca
mais volte.
Escuto, agora, apenas o vento e me
pergunto
decorridos tantos anos:
- Por que você veio, de novo,
filho bom que não tivemos?
Londrina,
13out2013