CABO DE GUERRA
Sinto que os dias começam a ser
cada vez mais tristes pelos alarmantes números estatísticos de avanço da
COVID-19 no Brasil e demais países.
Há, por aqui, otimistas ainda.
Dentre estes, os que acreditam que tudo é fruto de uma programação espiritual
com vistas à regeneração da sociedade mundial. Sairemos disso, dizem, melhores
e mais preparados, como sociedades humanas. Faremos desse limitado espaço em
que vivemos um lugar melhor. Mas isso, não parece ser outra coisa que não a escamoteação da realidade. Uma espécie de refúgio no pieguismo da resignação. Quem sabe um dia, possamos mesmo ter
um mundo de todos, sem desigualdades, sem preconceitos, sem ódio, sem
injustiças e sem governos hipócritas. Quem sabe possamos ter um mundo mais
solidário? Ninguém perde nada pensando assim.
O fato é que o pessimismo já se instalou.Ninguém duvida que a ciência poderá desenvolver a esperada vacina e com ela irá deter de uma vez por todas a propagação do Sarscov-2. Mas a pandemia pode
demorar o suficiente pra nos deixar em pânico generalizado. E se vier, nesse meio tempo, uma
segunda onda, quem sabe a COVID-20? Ou outra nova pandemia?
Hoje, pela tarde, em mais um dia
de isolamento, meio que desesperançado, deitei-me no piso do quarto em casa e sob
a pálida luz do sol que se extinguia no horizonte pelo quadro da janela fiquei
a refletir nas possíveis consequências deste mal que vem se alastrando no
mundo. A COVID-19 é uma doença introduzida em todos os países pelos cidadãos mais
ricos e está a aterrorizar os pobres do mundo. O que será de todos nós quando a
pandemia adentrar as ruas das periferias, as favelas, os presídios?
Levantei-me com raiva. Pensei nas
inumeráveis vidas que vem sendo ceifadas enquanto há quem diga como um certo presidente aloprado, que isso não é
nada, apenas uma gripezinha...
Sei que tudo de ora em diante será
mais difícil. Há de faltar comida nas mesas dos pobres. Há de faltar paciência entre
os mais favorecidos pela sorte. E serão justamente esses que irão verticalizar
ainda mais os índices contrariando as leis. Já estão se articulando para romper o
isolamento social. Querem a todo custo instigar os seus empregados a romper as
normas em curso. Querem fazê-los voltar ao trabalho, mesmo que se exponham aos
riscos do contágio. Querem, gananciosos, garantir-se, ativos e atuantes no “Mercado”,
ganhar seu dinheiro. Dinheiro, dinheiro! E somente os trabalhadores lhes podem
propiciar isso. Sairão em carreatas às ruas. Pressionarão os órgãos públicos,
obterão licenças, abrirão as portas de suas lojas, fábricas, escritórios,
hotéis, indústrias. Danem-se os que vão morrer. Precisam de dinheiro para “garantir”
empregos e “salvar” a economia do país.
Aos olhos do alucinado
Presidente que idolatram e que responde ao que lhe questiona sobre as
incontáveis mortes com a indiferente expressão: E daí? (Querendo talvez dizer:
Foda-se!) é a razão que os motiva a agir assim.
Multidões de operários, agentes
de saúde, trabalhadores braçais, autônomos e prestadores de serviços,
conscientizados da ameaça que paira sobre eles, experimentam conflitos. Muitos
já morreram.
Eles veem-se, agora, ante
milhares de covas abertas, forçados a voltar ao trabalho e a continuar em seus
postos de subalternidade. Têm que aderir aos interesses dos governantes, dos
patrões e dos banqueiros para não ter que abrir mão de seus empregos, malgrado
as garantias constitucionais. Sabem que perderão como sempre perdem os que
estão do lado fraco deste excruciante cabo de guerra.
A verdade nua e crua com que se
deparam ao levantar-se nas manhãs de suas noites indormidas é que a COVID-19
avança celeremente e quando ela passar, (se passar), certamente
terá iniciado uma nova realidade social no mundo. Talvez pior que a de antes.