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TEMPLO
CULTURAL DELFOS
Elfi Kürten
Fenske - Ano V, 2015.
Lara
de Lemos - o ofício poético
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Lara de Lemos - foto Acervo
Delfos/PUC RS
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Lara de Lemos (Porto
Alegre, RS, 22 de julho de 1923 – Rio de Janeiro, 12 de outubro
de 2010), professora, jornalista, tradutora e poeta. Lara Cibelli de
Lemos foi criada pela avó materna em Caxias do Sul/RS, tendo ficado
órfã, de pai e de mãe, aos cinco anos de idade. Formada em História, Geografia,
Pedagogia, Jornalismo e Direito, Lara de Lemos fez especialização
em Literatura Inglesa e Contemporânea, pela Southern Methodist University,
nos Estados Unidos. Com uma ampla formação acadêmica, destacou-se no cenário
gaúcho e carioca pela sua atuação como professora, tradutora, poeta e
jornalista.
Em sua atuação no meio jornalístico, a autora colaborou com periódicos gaúchos,
como Correio do Povo e Zero Hora, e cariocas, como Jornal do Brasil e Tribuna
da Imprensa. Colaborou ainda com a Revista Diadorim, de Minas Gerais, e com a
revista Colóquio-Letras, de Lisboa. Lara de Lemos foi professora de História
Geral, do Quadro Único do Magistério Público Estadual do RS e funcionária do
Ministério da Educação e da Cultura, atuando em diferentes funções.
A escritora viveu em Porto Alegre/RS até 1964, ano em que se mudou para o
Rio de Janeiro/RJ, com os filhos. Nos anos de 1970, foi membro do Conselho
Editorial da Editora Expressão e Cultura e professora assistente
de Economia Política da Faculdade Cândido Mendes. Com sua aposentadoria,
em 1978, passou a morar em um sítio em Nova Friburgo/RJ.
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Lara de Lemos formatura de
direito
foto Acervo Delfos/PUC RS
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Embora Lara de Lemos tenha se dedicado mais à
poesia, sua produção literária inicia-se pela prosa. Ela estreia na literatura
com a publicação de dois contos na Revista do Globo(1):
“Homem no bar” e “Mulher só”, em 1955. Em 1962, com mais oito escritores,
publica quatro contos na coletânea Nove do sul: “Um ser delicado”, “Em
meio da noite”, “Viagem” e “D. Eufrásia”. Entre os escritores que participam
deste livro, estão Josué Guimarães, Moacyr Scliar e Tânia Faillace.
Os textos publicados inicialmente em jornais são reunidos, em 1963, no livro
Histórias sem amanhã. Pelo seu conteúdo intimista, esses textos podem ser
considerados crônicas subjetivas. Alguns desses relatos abordam diretamente a
opressão feminina e o anseio de emancipação, sendo nítida a oposição entre os
desejos íntimos da mulher e a sua vida exterior, ainda presa a
condicionamentos da sociedade de base patriarcal. Entretanto, na maior parte
dos textos, a autora analisa o descompasso vivenciado pelo ser humano,
seja homem ou mulher, jovem ou idoso, problematizando a fragilidade da condição
humana.
Na poesia, sua estreia foi com o livro Poço das águas vivas (1957), pelo
qual recebeu o Prêmio Sagol. Trata-se de uma obra com foco
na subjetividade, conscientemente voltada para o eu. O seu segundo
livro, Canto breve (1962), dirige um olhar ao social, mas guarda a
perspectiva da experiência pessoal da autora, tendência que será observada ao
longo de toda a sua obra, que se constitui ainda dos seguintes títulos: Aura
amara (1969), ganhador do Prêmio Jorge de Lima, do Instituto Nacional do Livro;
Para um rei surdo (1973); Amálgama (1974), que reúne poemas dos livros de
poesia anteriores; Adaga lavrada (1981); Palavravara (1986), Haikais (1989),
edição da autora, com ilustrações de Mario Wagner; Águas da
memória (1990), Prêmio Nacional de Poesia “Menotti del Picchia”;
Dividendos do tempo (1995), Prêmio Açorianos de Literatura: melhor livro
de Poesia; Inventário do medo (1997); Lara de Lemos: antologia poética (2002),
Prêmio Açorianos de Literatura, categoria melhor livro de poesia; Passo em
falso (2006). No ano de 1985, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre
concedeu-lhe o Diploma de Mérito Cultural pelo conjunto de sua obra e, em 1997,
a autora recebeu o Diploma de Personalidade Cultural, da União Brasileira
de Escritores.
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Lara de Lemos - foto (...)
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Além de ter sua obra reconhecida por importantes
críticos literários, como Guilhermino César, Maria da Glória Bordini, Gilberto
Mendonça Telles e Paulo Rónai, Lara de Lemos ganhou notoriedade ao compor, com
Paulo César Pereio, em 1961, o Hino da Legalidade, para o movimento
popular pela posse de João Goulart. Leonel Brizola, então governador do Rio
Grande do Sul, solicitou esse hino ao grupo de artistas que frequentava
uma oficina no Teatro de Equipe, que atraiu muita gente que era a favor da
legalidade. Nessa época, conforme Almeida e Guimaraens (2003), Lara de
Lemos participou do Comitê de Resistência Democrática dos Intelectuais, que se
reunia na sede do Teatro de Equipe, em Porto Alegre, entre o final da
década de 1950 e início da década de 1960.
[...]
Sobre sua poesia, de tendência contemporânea, afirmou o crítico Gilberto de
Mendonça Telles:
"o
que se conta na poesia de Lara de Lemos é o que, felizmente, constitui a maior
parte de sua obra: são os poemas de corte tradicional, onde uma e outra
preocupação da retórica vanguardista não chega a desequilibrar a armadura do
poema. (...) É aí que a poetisa consegue excelentes resultados, tornando-se uma
das melhores poetisas brasileiras da atualidade."
Nota: (1) A Revista do Globo foi
um periódico editado quinzenalmente pela Livraria do Globo, em Porto
Alegre/RS, entre 1929 e 1967.
Fonte: PAVANI,
Cinara Ferreira. Inventário de uma vida: escrita e
resistência em Lara de Lemos.
Anais do XIV
Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e
Literatura. Disponível no link. (acessado em 06.07.2015).
1923 - Nasce Lara Fallabrino Sanz Chibelli, em Porto Alegre, filha
de Carmelo Sanz Chibelli e Wanda Fallabrino Chibelli.
1944 - Casa-se com Ajadil de Lemos, estudante de Direito.
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Lara de Lemos batizado
foto Acervo Delfos/PUC RS
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1945 -
Conclui sua primeira faculdade: História e Geografia (PUCRS). Mediante Concurso
Público, é admitida como funcionária do MEC, no cargo de Inspetora de Ensino
Superior.
1947- Nasce Ajadil Ivan, o primeiro, de seus três filhos.
1951- Forma-se em Pedagogia (PUCRS)
1953 - Conclui o curso de Língua Inglesa e Literatura Contemporânea
da Southern Methodist University, USA.
1955 - Mediante Concurso de Títulos, é nomeada professora de
História Geral do Quadro Único do Magistério Público Estadual do Rio Grande do
Sul. São publicados pela Revista do Globo seus primeiros trabalhos literários:
Homem no Bar e Mulher Só.
1957 - Publica sua primeira obra: Poço das Águas Vivas, pela
Editora Globo e recebe por esse livro o Prêmio Sagol para poesia inédita. Passa
a colaborar em jornais e revistas como: Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil,
Suplemento Literário de Minas Gerais, Caderno de Sábado e Letras e Livros do
Correio do Povo, Diadorim, de Minas Gerais e Colóquio de Letras, de Lisboa.
1958 - Conclui o curso de Jornalismo e Comunicação (PUCRS).
1959 - Separa-se do marido, ficando com os três filhos sob sua
guarda. No mesmo ano, adota um menino, a quem considera seu quarto filho.
1961 - Juntamente com Paulo César Peréio, compõe a letra do Hino da
Legalidade.
1962 - Publica a obra Canto Breve, poesia editada pela Difusão e
Cultura. Com mais oito escritores gaúchos, participa da antologia de contos
Nove do Sul.
1963 - Lança Histórias Sem Amanhã, uma seleção de crônicas, pela
Editora Difusão e Cultura.
1964 - Muda-se para o Rio de Janeiro com seus filhos.
1965 - Realiza traduções para a Distribuidora Nacional de Livros.
Faz o Curso de Aperfeiçoamento para Professores na PUCRJ.
1966 - Casa-se, pela segunda vez, com o jornalista e publicitário
Mario de Almeida. É designada para colaborar na Inspetoria Seccional de
Guanabara, onde desempenhou funções como Coordenadora da Seção de Estudos e
Relatórios Anuais de Estabelecimentos de Ensino Secundário e Membro de
Comissões Especiais.
1968 -
Recebe o Prêmio Jorge de Lima, do Instituto Nacional do Livro, pela
obra então inédita Aura Amara.
1969 - Publica o livro de poesia Aura Amara, pela Coordenada -
Editora de Brasília.
1971 - É indicada pelo Prof. Newton Sucupira, para colaborar no
Departamento de Assuntos Universitários, do MEC. Seu trabalho SOS é incluído na
antologia crítica Poetas do Modernismo, do Instituto Nacional do Livro.
1973 - Publica o livro de poemas Para um Rei Surdo.
1974 - Lança Amálgama, uma seleção dos melhores poemas dos livros
anteriores. É promovida por merecimento a Técnica em Assuntos Educacionais, do
MEC. É ainda indicada como Assistente de Economia Política da Faculdade Cândido
Mendes - RJ, pelo Professor João Batista da Costa.
1975 - Profere conferência sobre “A mulher na Literatura”, na sede
da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. Forma-se em Direito,
na Faculdade Cândido Mendes.
1977 - Passa a integrar a equipe da Editora Imago, como
Coordenadora de Editoração. Participa do Congresso Internacional de
Literatura, em São Paulo.
1978 - Aposenta-se pelo MEC, após trinta anos de dedicação ao
serviço público, e muda-se para um sítio, em Nova Friburgo - RJ.
1979 - Três poemas de sua autoria são incluídos na antologia de
poesia feminina Palavra de Mulher, pela Editora Fontana - RJ. Dois poemas de
Canto Breve e um poema de Poço das Águas Vivas são musicados pelo maestro Bruno
Kieffer.
1981 - Publica Adaga Lavrada, pela Editora Civilização Brasileira,
em coedição com Massao Ohno.
1983 - Participa da primeira antologia brasileira de poemas
eróticos: Carne Viva, pela Editora Anima.
1985 - Em reconhecimento pelo seu trabalho em prol da Cultura,
recebe o Diploma de Mérito Cultural, pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
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Lara de Lemos criança
foto Acervo Delfos/PUC RS
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1986 -
Publica Palavravara, pela Editora Philobiblion. Participa da antologia poética
Poetas da Terra, publicada pelo SESC, Nova Friburgo - RJ. Onze poemas de sua
autoria integram a Antologia da Poesia Brasileira Contemporânea.
1987 - A série Autores Gaúchos - IEL lança um fascículo dedicado a
ela.
1989 - Publica a obra Hai Kais, editado pela autora, em Nova
Friburgo.
1990 - Publica Águas da Memória, editado pela Massao Ohno.
Recebe o Prêmio Nacional de Poesia Menotti Del Picchia, instituído pela Casa
Menotti Del Picchia - SP pela obra Águas da Memória.
1995 - Publica Dividendos do Tempo, pela L&PM.
1997 - Publica Inventário do Medo, pela Massao Ohno. Recebe o
Diploma de Personalidade Cultural, pela União Brasileira de Escritores.
2003 - Recebe o Prêmio Açorianos de Literatura: Poesia, Porto
Alegre - RS (Antologia Poética).
2006 - Publica sua última obra: Passo em Falso, pelo Instituto
Estadual do Livro.
2010 - Falece Lara de Lemos, em 12 de outubro, no Rio de Janeiro.
Prêmios
:: Prêmio Sagol, para poesia inédita, pela obra
"Poço das águas vivas", 1957.
:: Prêmio Jorge de Lima, do Instituto Nacional do Livro, pela obra
"Aura Amara", 1968.
:: Prêmio Nacional de Poesia Menotti del Picchia, instituído pela
Casa Menotti Del Picchia - SP, pela obra "Águas da memória",
1990.
:: Prêmio Açorianos de Literatura: Poesia, pela obra
"Dividendos do tempo', 1996.
:: Prêmio Açorianos de Literatura: Poesia, pela obra "Lara de
Lemos - antologia poética", 2003.
Condecorações
:: Diploma de Mérito Cultural, pela Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, em reconhecimento pelo seu trabalho em prol da Cultura, 1985.
:: Diploma de Personalidade Cultural, pela União Brasileira de
Escritores, em 1997.
"Lara, desde seu primeiro livro,
foi talvez a única mulher brasileira a erigir uma poesia de protesto, não
feminista, mas socialmente emancipatória, sem resvalar para o panfleto ou para
as versões ideológicas do nosso sofrido modo de ser nacional."
- Maria da Glória Bordini
OBRAS DE LARA DE LEMOS
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Lara de Lemos com 10 anos
- foto Acervo Delfos/PUC RS
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Poesia
:: Poço das águas vivas. Porto Alegre: Globo, 1957.
:: Canto breve: poesia. Porto Alegre: Difusão de Cultura, 1962.
:: Aura amara. Brasília-DF: Coordenada Editora de Brasília,
1969.
:: Para um rei surdo. Rio de Janeiro: Artenova, 1973.
:: Adaga lavrada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Massao
Ohno, 1981.
:: Palavravara. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986.
:: Hai kais. [ilustrações de Mario Wagner]. Nova
Friburgo: Edição da autora, 1989.
:: Águas da memória. São Paulo: Massao Ohno, 1990.
:: Dividendos do tempo. Porto Alegre: L&PM, 1995.
:: Inventário do medo. São Paulo: Massao Ohno, 1997.
:: Passo em falso. [dividido em: Poemas esparsos -1999-2000; Poemas
esquecidos - 2001-2002; e Poemas perdidos - 2003-2005]. Porto Alegre:
Instituto Estadual do Livro, 2006.
Crônicas
:: Histórias sem amanhã. Porto Alegre: Difusão de Cultura, 1963, 162p.
Antologia
e seleta poética
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Capa do livro "Passo em
falso", de Lara de Lemos
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:: Amálgama. (antologia).. [Prefácio Gilberto Mendonça
Teles]. Porto Alegre: Globo, 1974.
:: Lara de Lemos - antologia poética. [seleção e estudo crítico Volnyr
Santos; apresentação Ruy Carlos Ostermann]. Coleção Autor. Porto Alegre:
IEL, 2002.
Fascículo
:: Lara de Lemos. (Autores gaúchos, nº 14). 3ª ed., Porto
Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1997, 28p.
Antologias
(participação)
Lara de Lemos participou também de antologias, entre as quais:
:: Nove do sul: contos. [organização Candido de Campos].Porto Alegre:
Editora Difusão de Cultura, 1962, 152p.
:: Poetas do modernismo:
antologia crítica. [organização Leodegário A de Azevedo
Filho]. Coleção de literatura brasileira, 9-9E. Brasília,
Instituto Nacional do Livro, 1972.
:: Palavra de mulher -
poesia feminina brasileira contemporânea.
[Organização Maria de Lourdes Hortas]. São Paulo: Fontana, 1979, 218p.
:: Carne viva: 1ª
antologia brasileira de poemas eróticos. [Organização Olga Savary]. Rio de
Janeiro: Anima, 1984, 350p.
:: Poetas da terra. Nova Friburgo: Sesc, 1986.
:: Antologia da poesia
brasileira contemporânea.
[organização Carlos Nejar]. Lisboa/Portugal: Imprensa Nacional e Casa da Moeda,
1986.
POEMAS
ESCOLHIDOS DE LARA DE LEMOS
A pedra
A pedra e o tropeço
foi apenas o acaso
ou o começo?
Depois, a inércia.
A pedra foi castigo,
destino, desgraça?
Matéria que partiu o corpo
como vidro frágil
que se estilhaça.
- Lara de Lemos, em "Poemas esparsos
(1999-2000)", do livro "Passo em falso". Porto Alegre:
Instituto Estadual do Livro, 2006.
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A teia
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Lara de Lemos
(1943) - foto Acervo Delfos/PUCRS
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A
teia se tece
de grade sem ferro
do negro sem fresta
do muro sem pedra.
A teia se tece
do árduo da espera
do aço da espada
e sua ameaça.
A teia se tece
da fala da insídia
da rede que enreda
na mesma cilada.
A teia se tece
de liça, contenda
açoites, cobiça
invídia, solércia.
A teia se tece
de nomes antigos
de amigos perdidos
no elo das celas.
- Lara de Lemos, em "Para um rei
surdo".
Rio de Janeiro: Artenova, 1973.
.........................
Anticanção para o Negrinho do
Pastoreio
Não. Não quero a vela
para encontrar o inencontrável.
Nem quero achar gordos cavalos
que não pertencem
a nenhum só
de nossa gente.
Perca-se tudo
(menos coragem)
no perecível
das mãos que punem
homem indefeso
nas invernias.
Não quero a vela
nem teu segredo
menino-morto-assassinado
para encontrar campo
roubado
gado engordado
com tua pobreza
multiplicada.
Poupa teu choro menino-cristo
poupa teu medo, cresce
pra luta
preto com branco
branco com preto
no mesmo campo
no mesmo lado
no mesmo canto.
Lara de Lemos, em "Aura
amara".
Brasília-DF: Coordenada Editora de Brasília, 1969.
....................................
Anunciação
O verão se anuncia
nos pêssegos maduros
nos jardins perfumados
no rumor das asas
nas cigarras que cantam
como violinos desafinados.
As estações se sucedem.
Permanece apenas
o coração angustiado.
- Lara de Lemos, em "Passo em
falso".
Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006.
........................
Caçada
O dia e sua cilada
surgiram de surpresa.
No instante iníquo
não consegui rastear
a fuga. Sabia-te indefeso
à mira, ao tiro.
Despedaçaram-te.
Em cega fúria de fera
empunho meu escudo
de veneno e ódios.
Antecipo-me.
Retomo-te em meus dentes
e prossigo.
- Lara de Lemos, em "Adaga
lavrada".
Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira; Massao Ohno, 1981, p. 35.
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Cantiga do pressentir
A noite já nos espreita
e permaneço esquecida
à beira do meu destino.
És tardo porque ignoras
que vivo do que adivinho.
Repele a palavra esquiva
não te cubras de distância,
estende um lenço, um soluço,
troca teus olhos de ausente
por dois claros de esperança.
Lara de Lemos, em "Canto
breve: poesia".
Porto Alegre: Difusão de Cultura, 1962.
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Lara de Lemos (1944) - 20
anos, formatura no
curso de História e Geografia, PUC
RS
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Cantilena nordestina
Um dois
canga no lombo
carga de boi
Três quatro
quatro meninos
no quadro do quarto.
Cinco seis
na cova a miséria
cem anjos fez
Sete oito
nem pão nem farinha
café sem biscoito
Oito nove
nem verde nem planta
a chuva não chove.
Nove dez
ninguém se incomoda
pobre tu és.
- Lara de Lemos, em
"Palavravara".
Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 96.
...............................
Da investigação
Às perguntas repetidas,
hipóteses formuladas,
o acusado deve sempre
responder com clareza.
Ao inquiridor cabe agir
com firmeza.
Pode inclinar-se à paciência
desde que o investigado
saiba que está à mercê
de traçados, peias, celas,
onde aguardará
sentença.
Caso insista o acusado
em negar crimes funestos
é praxe instigar-lhe
o medo.
Lara de Lemos, em "Inventário
do medo".
São Paulo: Massao Ohno, 1997, p. 18.
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Da resistência
Cantarei versos de pedras.
Não quero palavras débeis
para falar do combate.
Só peço palavras duras,
uma linguagem que queime.
Pretendo a verdade pura:
a faca que dilacere,
o tiro que nos perfure,
o raio que nos arrase.
Prefiro o punhal ou foice
às palavras arredias.
Não darei a outra face.
- Lara de Lemos, em "Inventário
do medo".
São Paulo: Massao Ohno, 1997, p. 22.
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De súbito é o susto
De súbito é o susto
estampado no rosto
refletido no espelho
parado na garganta.
Invasores transitam
pelo quarto
desrespeitam o sono
em furor incontido.
Colocam algemas
em pulsos inocentes.
Contra palavras – há muros
contra lamentos, murros.
Levam jovens na mira
de fuzis reluzentes.
Lara de Lemos, em "Inventário
do medo".
São Paulo: Massao Ohno, 1997, p. 9.
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Lara de Lemos e Ajadil de Lemos
(1944)
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Legado
Para Laury Maciel
Recuso-me a herança
deste poço vazio
deste lodo legado
em negligências.
Engulo a seco e calo.
Aposto em cada poema
— único engenho
ainda não vencido.
Proponho rubros jogos
olhos atentos
para o imaginário.
Ases de puro ouro
— naipes que guardo
para meu incêndio.
- Lara de Lemos, em "Adaga lavrada".
Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira; São Paulo: Massao Ohno, 1981.
..................................
Poema
Para isso vim...
Não, não foi para isso que cheguei.
Vim para dar-te o pássaro, inédito de voos,
que há em mim.
Vim para secar o pranto
desse alguém que não és, mas que
sonhei.
Vim para ver-te como queria que fosses
– tão indizível em mim. Tão
indizível!
Vim para o refúgio da noite
e o doloroso presságio das manhãs.
Vim – campo, rosa, nuvem, pedra,
rio adormecido, luz.
Para isso vim e perdi-me.
Lara
de Lemos, em "Poço das águas vivas".
Porto Alegre:
Globo, 1957, p. 13.
...............................
Quero-me inteira
Ah! Que terrível mutilação
Esse ter que nos dar assim
Todos os dias!
Dar-nos aos pedaços
- um pouco a um,
um pouco a outro,
sem que fique nada
de verdadeiramente nosso
em nós.
Pertencemos
aos que nos afagam por hábito,
aos que nos possuem com os olhos,
aos que nos esperam sensatos,
aos que nos amam doidos
e, afinal, aos que nos querem
como nós não somos.
Quero-me eu,
completa, autêntica, cheia de
abandono
pertencendo-me sem nenhuma clemência
para com a alheia expectativa.
Eu, para dar-me ou negar-me
sem explicações, falsos pudores
ou inúteis justificativas.
Não é o melhor nem o mais fácil
o que peço.
Quero-me rir ou chorar
para viver ou morrer. Inteira.
Lara
de Lemos, em "Poço das águas vivas".
Porto Alegre:
Globo, 1957
...................................
Se por acaso
Para Wanda
Se, por acaso, um pássaro
pousar de leve no teu ombro
recebe-o com ternura, poupa o pranto.
Sou eu quem te visita
em meio a escombros
sou eu quem volta
para teu assombro.
A vida escorre entre os dedos
O fim me foi proposto,
eu decido:
é tempo de partir,
ainda que cedo.
Ouvir sem ouvir
ou ser ouvido:
partir antes de ter vivido.
Lara de Lemos, em "Passo em
falso".
Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006.
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Simples investigação
Interrogam-me o rei e o seu vassalo.
As perguntas são tantas
que tropeçam num mar de
insanidades.
Respondo o que sei
o que não sei invento.
A impaciência do rei
não permite que eu
cale.
As palavras acossam
torturam
grisalham as fontes
encurralam.
Fácil perguntar.
Difícil responder
quando se perde o próprio
calendário.
Me exumam.
Sem memória ou futuro
sou apenas duas mãos unidas
por algemas.
- Lara de Lemos, em "Adaga
lavrada".
Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira; São Paulo: Massao Ohno, 1981, p. 36.
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Vida fora
Para Alice Ruiz
Tudo o que vivi
vidafora
pranto, cansaço
pressentimento
febre tersã
terçol, torcicolo
tropeço
dor de corte
dor de dente
dor de vazio
de abandono
de ferida
do apostema
foi semente
deste verso.
Foi adubo
do poema.
Lara de Lemos, em
"PalavrAvara".
Rio de Janeiro: Philonbiblion, 1986.
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Lara de Lemos com 14 anos - foto
Acervo Delfos/PUCRS
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Vida não vivida
Espero o fim da façanha.
O ocaso dos tiranos
a abolição dos mandatos
a bicicleta dos cegos
a vinda do ser biônico.
Espero o fim da patranha.
A supressão dos impostos
a queima das promissórias
a vitória nas diretas
o carnaval em agosto.
Espero o fim dos cucanhas.
Proibição das trapaças
manhãs de falas abertas
a praça para os profetas
o fim dos tecnocratas.
Espero o fim da esperança.
E vem que te aguardo ainda
nesses linhos de aconchego,
em braços de puro embalo,
em plumagens de mornura,
em claras nuvens de espuma.
Enquanto não me descobres
me perco em falas menores,
me reparto sem vontade,
tropeço pedras amargas,
naufrago secretos mares.
Lara de Lemos, em "Adaga lavrada".
Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira; São Paulo: Massao Ohno, 1981.
.................................
IV - Trazes os olhos derramando
estrelas
A Cecília Meireles
Trazes os olhos derramando estrelas.
Foges de ti por tudo o que te cerca.
Teu roteiro é a Rosa-Ventania
apontando além de tuas fronteiras.
Nos limites do mundo crias espaços
por onde segues crente e arrebatada,
repartindo teus dias, teus abraços,
teu jardim, tuas fontes, teus
segredos.
Renasces a cada morte prematura
com tesouro maior e mais profundo,
à grandeza do amor acostumada.
Inventando canções enternecidas,
prossegues com teu cântaro de sonhos
reverdecendo em cada madrugada.
Lara de Lemos, em "Canto
breve: poesia".
Porto Alegre: Difusão de Cultura, 1962.
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Lara de Lemos autografando
- foto Acervo Delfos/PUCRS
FORTUNA CRÍTICA DE LARA DE LEMOS
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[Estudos acadêmicos
- teses, dissertações, monografia, ensaios e artigos]
BEZERRA, Kátia da Costa. Lara de Lemos: o tenso rememorar da
ditadura militar no Brasil. Graphos, Revista da Pós-Graduação em Letras -
UFPB, João Pessoa, Vol 6., N. 2/1, 2004 – p. 85-94. Disponível no link. (acessado em 06.07.2015).
BORDINI, Maria da Glória. Ofício poético com inteligência e
paixão. In: LARA DE LEMOS. 3ª ed. Porto Alegre: Instituto Estadual do
Livro, 1997 (Autores Gaúchos, 14).
p. 23.
BORDINI, Maria da Glória . Erico Verissimo. Lara de Lemos. Lila
Ripoll. Lya Luft. In: ZILBERMAN, R.;MOREIRA,M.E. ; ASSIS BRASIL, L.A.
(Orgs.) Pequeno dicionário da literatura do Rio Grande do Sul.. Porto Alegre:
Novo Século, 1999 (Verbete de dicionário).
CALDEIRA, Evandro Weigert. Inventário do medo: a realidade
social na poesia de Lara de Lemos. (Dissertação Mestrado em Letras Teoria
da Literatura). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS,
2000.
CASTRO, Nea Maria Setúbal de.. Lara de Lemos - a poesia da hera
e do musgo. Expressão (Santa Maria), Santa Maria, v. 1, p. 142-146, 2000.
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Lara de Lemos formatura em
jornalismo, 1953
foto Acervo Delfos/PUCRS
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1, p. 143-169, jan./jun. 2004.
ESPETÁCULO DE TEATRO
Peça: Pluft, o fantasminha
Estreia: 1961
Local de realização: Porto Alegre RS
Instituição: Teatro de Equipe
Ficha Técnica
Autoria: Maria Clara Machado
Direção: Paulo César Pereio
Cenografia: Lara de Lemos e Mario de Almeida
Elenco/Personagem: Cristina Zanini; Ivete Brandalise; J. Carlos Moreira; Mario
de Almeida; Milton Mattos; Suzana Mattos
Produção: Teatro de Equipe
:: Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural (acessado
em 06.07.2015).
AMIZADES LITERÁRIAS E FAMÍLIA
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Carlos Stein, Moacyr Scliar, Tânia
Faillace, Sérgio Jockymann, Lara de Lemos,
Luiz Carlos Ostermann, Luis Leher e Álvaro Campos, no lançamento da
antologia de contos "Nove do Sul", 1962
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Guilhermino Cesar, Lara de Lemos e
Moysés Vellinho, 1961
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Antônio Carlos Villaça, Mario
Quintana, Paulo Mendes Campos, Lara de Lemos e
Raquel Jardim, Porto Alegre, 1976 - foto Acervo
Delfos/PUCRS
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Lara de Lemos - aniversario dos 50
anos de Erico Verissimo - foto Acervo Delfos/PUCRS
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Lara de Lemos e Mario Quintana
(1962) - foto Acervo Delfos/PUCRS
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Lara de Lemos e os filhos
- foto Acervo Delfos/PUCRS
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Quero ver o mundo,
ouvir pássaros,
colher flores
que estão a um passo.
Sou um ser perdido:
não neguem meu último pedido.
- Lara de Lemos, em "Passo em
falso".
Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006.
NA REDE
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Lara de Lemos - foto Acervo
Delfos/PUC RS
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REFERÊNCIAS E OUTRAS FONTES DE
PESQUISA
© Pesquisa, seleção e organização:
Elfi Kürten Fenske
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Fonte:
FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa,
seleção e organização). Lara de Lemos - o ofício poético. Templo
Cultural Delfos, julho/2015. Disponível no link.
"A arte é o espelho da
pátria.
O país que não preserva os seus valores
culturais j
amais verá a imagem de sua própria
alma."
- Chopin
(acessado em 12/09/2015)