Um homem por mais atento,
sob a couraça do cargo,
sempre há de ter seu momento
de introversão, de letargo.
Nesse interstício de acesso
aos escaninhos do ser,
um lampejo o põe do avesso,
o faz, inteiro, se ver.
Essa luz indefinível,
quase vulto, quase voz,
assim, na força do rio,
em borbotância, na foz,
Rompe-lhe n'alma a tormenta
das lágrimas compungidas,
mesmo a um Nero,
a um Torquemada,
impossíveis de contidas.
E expõe ao sol, como velha estrada,
nos rastros multimilenares,
dramas de prístinas eras,
ânsias de mil avatares.
Exuma o que em negro fosso
ocultou-se por ruim.
Atua como azorrague,
desperta como clarim.
Vem forçá-lo a despojar-se
de tudo o que é exterior.
Aplaca-lhe, de um só golpe,
o gênio dominador.
Um homem, sob os efeitos
desse choque passageiro,
lembra o infeliz faroleiro
num ermo e soturno cais
a ver, no seu desespero,
algumas milhas adiante,
a nau com sua bandeira
a balouçar, soçobrante,
sob a borrasca voraz.
Desse longo instante cósmico
ninguém não há que se esquive
e n'alma, opressa, não crive
a advertência que traz.
(Poema de Sersank para o livro "Estado de Espírito")
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