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terça-feira, 30 de março de 2010

O RESTAURADOR










Na tela sempre fresca da janela
que o prende a um tempo e lugar,
há colibris nos canteiros
e flores que, findo o dia,
agrada-lhe cultivar.

Quase nunca queda a vê-los.
Nem sente o tempo a passar.
Move-se a crer que haja coisas
que se possa eternizar...

Como ao baú de Pandora
pudesse as depositar,
restaura, serenamente,
uma e outra, obra sem par:
restos de vidas dispersas,
suas fragrâncias no ar.

Paciente, serenamente,
ouve do tempo o rumor.
Só ele sabe o que sente,
no enlevo de seu labor,
o que lobriga, ao curvar-se,
no jardim, emurchecida,
sua mais recente flor.


 
(Do livro "Estado de espírito", de Sersank)
(Os direitos autorais do livro "Estado de espírito" estão registrados na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (Ministério da Cultura), sob o nº 366.196, Livro 677, Folha 356)
(Proibida a reprodução de qualquer fragmento, sem citação da fonte e autorização do autor)

sábado, 27 de março de 2010

ARTE POÉTICA



























Não há, poeta, estancar
a geratriz do poema.
Não há falseá-la no ópio,
enclausurá-la em doutrina,
submetê-la a sistema.


Atemporal, surterrena,
a realidade é seu tema.
Sonhá-la, subvertê-la,
recriá-la a todo instante:
a isso serve o poema.

Nele, pois, haja verdade,
por mais odiosa, obscena.
Seja um cântico de guerra
ou mera cantata, amena;
narre uma nobre façanha,
evoque um voraz dilema,
louve a esperança mais alta,
grite a vergonha suprema...
Não há, poeta, estancar
a geratriz do poema.



(Do livro "Estado de espírito", de Sersank)

(Direitos reservados e protegidos por lei)

Imagem:
http://sosickofdebt.files.wordpress.com/2008/07/happy-pic-small.jpg

quinta-feira, 25 de março de 2010

INTERLÚNIO




“Fecha os olhos e tenta não ouvir
a voz deste perfume
que vem rolando de outras noites
feitas para velar.”

(Poema de A. F. Schmidt “Fonte Invisível”)



Quem poderia imaginar
que - opostos de vulcões -
buracos negros
nascidos na imensidão cósmica,
tragassem os astros à volta,
Consciência que se arde em chamas?

Percutem em nós rumores
de guerras inacabadas;
suspiros incompreensíveis,
amores de eras extintas.

Que vale um leito de ninfa
se o néctar dos seus lábios
envenena aos que seduzem?

O que somos nós, os homens?
- Almas crianças que choram
e riem, depois, de si mesmas.
Guias que fazem caminhos
e a sós os têm de trilhar.

Um brinde ao vulcão da noite!
Essa taça
que os deuses todos sorveram
nos é baldado escusar!...

Roube–nos ele, esta luz, não a interna.
Em breve - pirilampos, sem fronteiras,
havemos de o devassar.


(Do Livro "Estado de Espírito", de Sersank)














Imagem: Foto de José Jácome/Erupção do Fulcão Tungurahua, no Japão, disponível no google

segunda-feira, 22 de março de 2010

AMIGOS, CERTOS AMIGOS...









Enquanto muito tens,
se algo lhes dás,
quais meretrizes
te afagam, te bajulam,
te assediam;
até pelos defeitos,
os mais vis, que ostentes,
fazendo-se rogados, te elogiam...

Mas quando não mais tens
dos bens que aspiram
ou quando do que tens
nada mais tiram,
de longe, em te avistando,
o olhar desviam.

Até por certas coisas que segredas deles,
(mas que bem sabem por virtudes tuas),
entre eles, sem que saibas, te ironizam,
te escacham, te esculhambam,
te vilipendiam...



(Do livro "Estado de Espírito", de Sersank Kojn)


Imagem:
http://www.cancaonova.com/portal/canais/formacao/internas.php?e=10621

sábado, 13 de março de 2010

NÊNIA DA MORTE DAS CRENÇAS










Hora do ângelus...
Vésper, distante,
no céu tremeluz.
Dobram os sinos
nos campanários
por nossos destinos
tão temerários...

Com eles, em harmonia,
morre a tarde... e para muitos
morre o que é o último dia..

Meu Deus, mas aquele
abutre pousado
no alto da cruz!...

... Hospeda a alma do Tempo
que vem, vencedor, e espreita
a irreverência dos homens
ante o estandarte da luz?

Ei-lo que voa e revoa
e gruda as garras na cruz!
- Por certo que se deleita
a ouvir a oblação funérea
dos sinos a que faz jus...



(Do livro "Estado de espírito")


DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS POR LEI


Imagem do abutre:
http://privilegiosdesisifo.blogspot.com/2008_01_01_archive.html
Imagem do campanário: http://images.uncyc.org/pt/e/e4/Campanario.jpg




sexta-feira, 5 de março de 2010

VIVER É SER LÂMPADA ACESA



















Não se há de ter, num átimo, extinta
a flama da consciência que dos sóis nos vem.
Morrer é ver que estão a escoar os sonhos,
os restos de sonhos que ainda se têm, 

na antiga ampulheta em que as noites e os dias
alternam-se, insulsos, como contas de rosário
e lhes digamos – amém!

Mais que levar para adiante esse corpo-escafandro,
viver é ser lâmpada acesa -
sonhar, re-sonhar, resistir, reverter;
fazer, cada momento, o necessário:
um fruto da fé florescer.

Ser lâmpada é ter caráter,
guardar a honra e o dever.
É ser a todo o tempo coração.

Assim, oblatar, na madrugada,
uma festa de gala, esperada,
por um amigo a morrer
num leito de longa aflição.


Ser lâmpada é possuir
como virtude, ess'arte
de, calmo, silenciar-se
sob avalanche de insultos.

Arte de, em meio a famélicas feras,
quando não, estremecê-las,
num brilho de olhar, contê-las.
É ter tais poderes “ocultos”.

Ser lâmpada é viver pura e sensatamente,
rir de si mesmo, rir da vida alegremente;
não ter de se curvar ante o nefando,
não ter de que fugir e o que esconder.


É um par de asas insculpir no coração
e nunca se constranger
de pousá-lo, novamente, quando,
o tendo alçado às nuvens,
chamar-lhe a voz da razão.

Viver é ser lâmpada acesa...


(Do Livro: Estado de espírito, de Sersank)

Imagem:
http://www.luzdoscaminheiros.com.br/luzdoscaminheiros/page39.aspx


(Direitos autorais assegurados por lei)

segunda-feira, 1 de março de 2010

SOBRE O GOSTO DE VIVER

























 Os anos passam e, via de regra,
percebemos que lá no íntimo
vivem em nós os infantes que fomos.
Quando menos se espera,
ei-los que surgem e acenam para nos lembrar
que por nada temos nos aborrecido,
que não valeu a pena termos depressa perdido
a vontade de brincar.

Continuamos crianças.
A diferença é que
habituamo-nos a aceitar,
sem a mesma relutância,
as coisas acres, as coisas
estranhas que a vida tem ...

E, assim como terminamos
por gostar de gilós, de cebolas
e de pimenta, à mesa,
cedo nos destemperamos:
ora deitamos amargos,
ora acordamos azedos.
Cedo aprendemos a não confiar em estranhos.
Mas ficamos estranhos também.




Poema do livro "Estado de Espírito", de Sersank Kojn

(Direitos autorais protegidos por lei)


Imagens:


http://www.glimboo.com/imagens_tristeza.php
http://acobox.com/image/tid/231684?page=1