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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

CRUZ E SOUZA - O "Cisne Negro" de nosso Simbolismo

 



Desconheço a autoria

Fonte: https://sibila.com.br/mapa-da-lingua/apontamentos-marginais-a-poesia-e-a-vida-de-cruz-e-sousa/4982


Vida Obscura

 

Cruz e Souza

 

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,

ó ser humilde entre os humildes seres.

Embriagado, tonto dos prazeres,

o mundo para ti foi negro e duro.

 

Atravessaste no silêncio escuro

a vida presa a trágicos deveres

e chegaste ao saber de altos saberes

tornando-te mais simples e mais puro.

 

Ninguém te viu o sentimento inquieto,

magoado, oculto e aterrador, secreto,

que o coração te apunhalou no mundo.

 

Mas eu que sempre te segui os passos

sei que cruz infernal prendeu-te os braços

e o teu suspiro como foi profundo!


  
Florianópolis - SC

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TRADUKAĴO

 

Obskura Vivo

 

Cruz e Souza


Tuŝis neniun via spasmo obscura,

ho humilul’ inter la plej humilaj!

por vi estis je noktoj maltrankvilaj

la ebria, kapŝpina mond’ plezura.


 Transiris vi en senluma silento

vivon ŝarĝita da tragikaj devoj.

Atingis vin de la saĝec’ la revoj

kaj donis vin pli simpla, nobla sento.

 

Tuŝis neniun la dolor’ sekreta,

vundita kaj terura, malkvieta,

ke l’ koro en la mond’ vin ponardis.

 

Sed mi, ĉiam sekvante viajn paŝojn,

scias pri l’ infera kruc’, la maŝojn,

kaj ĝemojn viajn, ke en mi funde ardis!

 

 El la portugala lingvo tradukis Sergio de Sersank

Londrina-(PR), la 3-an de Setembro, 2023.


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Biografia

Cruz e Souza

 

João da Cruz e Souza nasceu a 24 de novembro de 1861, na cidade de Desterro, atual Florianópolis (SC). Seus pais, Guilherme da Cruz, mestre-pedreiro, e Carolina Eva da Conceição, foram escravos alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Souza e sua esposa Dona Clarinda Fagundes Xavier de Sousa. Acolhido por eles, estudou nas melhores escolas da região. Aprendeu francês, latim e grego e foi discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais.

Com a morte de seus protetores, teve de deixar os estudos e trabalhar para sobreviver. Formou-se em Direito.


Em colaboração com Virgílio Várzez, publicou a coletânea de versos “Tropos e Fantasias” (1885). Como jornalista, militou numa grande campanha abolicionista em viagem iniciada no Amazonas e terminada no Rio Grande do Sul (1883).

 

Alvo de perseguições raciais, foi impedido de assumir o cargo de Promotor Público em Laguna (SC), por ser negro. Em 1890 foi para o Rio de Janeiro, onde teve contato com poetas e escritores adeptos ao movimento simbolista, especialmente o da França e seus admiradores cariocas. Colaborou em alguns jornais. No entanto, apesar de bastante conhecido, à época, nos meios literários pela publicação de “Missal” e “Broquéis” (1893), conseguiu apenas o modesto emprego de arquivista na Estrada de Ferro Central.

 

Casou-se com Gavita Rosa Gonçalves, também afrodescendente, com quem teve quatro filhos, três dos quais vieram a falecer, vítimas do “mal do século”. Para ela, especialmente, compôs o soneto “Madona da Tristeza” (Últimos sonetos). Gavita o acompanhou durante os seus últimos dias em Sítio, hoje Antônio Carlos, à época distrito de Barbacena (MG).

 

Conta-se que o poeta teria sido desalojado da Pensão em que se hospedara por estar vomitando sangue. Desamparado, o imortal poeta catarinense morreu na Estação Ferroviária, ao lado de Gavita.

 

Há relatos de que, por falta de recursos, o corpo do poeta foi transportado para o Rio de Janeiro num trem de cargas de animais e que este demorou seis dias para chegar ao destino. Gavita teria viajado ao lado do corpo, em decomposição, nesse longo trajeto. Grávida, deu à luz, mais tarde, o quarto filho deles, João da Cruz e Souza Junior. Mas é provável que essa viagem fatídica ao Rio de Janeiro, tenha sido, além das perdas dos filhos e do marido, a causa de sua internação depois, como paciente altamente depressiva e com sintomas de insanidade mental. Depois de passar por vários hospitais psiquiátricos ela veio a falecer em 1905, aos 27 anos de idade.

 

Cruz e Souza, incompreendido pela crítica, não chegou a conhecer a glória.

Morreu a 19 de março de 1898, aos 36 anos.  Seu corpo foi sepultado no cemitério São Francisco Xavier, no Caju, em sepultura adquirida por seu amigo, poeta e crítico literário, Nestor Victor.

 

Dentre muitos críticos literários que se manifestaram sobre a solitária grandeza poética de Cruz e Souza e realçaram seu valor na história da poesia mundial, há que se registrar a opinião de José Veríssimo que se opunha ao Simbolismo, mas em relação a Cruz e Souza, rendeu-se ao encantamento dos versos e a respeito dele escreveu:

 

“[...] como toda a arte tende ao absoluto, ao vago, ao indefinido, ao menos das comoções que há de produzir em nós, quase estou a dizer que Cruz e Souza foi um grande poeta e os dons de expressão que faltam evidentemente ao seu estro, os dons de clara expressão, à moda clássica, os supriu o sentimento recôndito, aflito, doloroso, sopitado, e por isso mesmo trágico, das suas aspirações de sonhador e da sua mesquinha condição de negro, de desgraçado, de miserável, desprezado. É desse conflito pungente para uma alma sensibilíssima como a sua, e que, humilde de condição, se fez soberba e altiva para defender-se dos desprezos do mundo e das próprias humilhações, que nasce a espécie de alucinação de sua poesia e que faz desta uma flor singular, de rara distinção e colorido, de perfume extravagante mas delicioso, no jardim de nossa poesia.”

 

Roger Bastide, eminente crítico francês, em ensaio aprofundado sobre o movimento simbolista, destaca a importância do nosso poeta, o que lhe dá “situação à parte na grande tríade harmoniosa: Mallarmé, Stefan George, Cruz e Souza.”  Para o exegeta, “a mensagem da sua experiência é apresentada aos homens em poesia de beleza única, pois que é acariciada pela asa da noite, todavia, lampeja com todas as cintilações do diamante.”


https://floripacentro.com.br/mural-de-cruz-e-sousa-tera-cisne-negro-e-poema-manuscrito/

  

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Obras de Cruz e Sousa


 1. Publicadas em vida

 

Missal (1893)

Broquéis (1893)

Evocações (1898)

 

2. Publicadas postumamente

 

 Faróis (1900)

Últimos Sonetos (1905)

Poemas inéditos (1996)

Últimos inéditos (2013)

 

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