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domingo, 27 de fevereiro de 2011

ESTÓRIA URBANA




Genivaldo dos Andaimes
pouco mais de trinta anos,
cinco meses de instrução.
Egresso das caatingas
do nordestino sertão.
(Num dos barracos do morro
sete bocas se nutriam
dos calos de suas mãos).

Operário diligente
dos prédios em construção.
Artista, nas horas vagas,
como todo bom peão.
Aficionado à viola
e à "causos" de assombração.
Presença certa nas rinhas,
rodas de "truco" e rodeios;
festeiro por vocação.

Certa feita, após uns goles
de conhaque de alcatrão,
ouviu estranha proposta,
à meia-voz, num balcão,
de um facínora que vinha
agindo na região.

Tornou à casa, sombrio,
tomado de compunção.
Mas, vendo a mulher, a um canto,
resmungar-lhe um palavrão,
os filhos debilitados
pela subnutrição;
eles todos da indigência
resvalando à condição,
sentiu que o vulcão do peito
entrara em erupção.

Acostumado à dureza,
fez-se outro, desde então:
tomou a estrada do crime
sumiu-se na escuridão.

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Numa tarde, ele e o comparsa
adentram, a mão armada,
magnífica mansão.
São, no entanto, surpreendidos,
pela polícia, na ação.

No cerco, que toma a quadra,
fazem reféns. Só se entregam
pós árdua negociação.
A imprensa, cobrindo o fato,
lhe amplia a repercussão.

Toda a cidade quer vê-los.
A polícia, ao removê-los,
Vacila. É o caos. Convulsão.
Acabam submetidos
à fúria da multidão...

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Genivaldo dos Andaimes 

cinco filhos na penúria;
o lar em dissolução
e o comparsa, um ex-detento,
sem direito a julgamento,
são linchados, sem perdão...


Poema de Sersank







sábado, 19 de fevereiro de 2011

POEMA CONJETURAL

Fonte: Banco de Imagens do Google




Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

Eu sou o teu vaso - e se me quebro?

Eu sou tua água - e se apodreço?

Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.”
Rainer Maria Rilke




Um século tombado sobre a ossada inerte
do derradeiro espécimen da raça humana,
nenhum extraterrestre, fera alguma
terá se elevado ao fatídico trono. 
O mundo será dos ratos. Será.

O espectro de Zeus, trôpego, em busca
do antigo Partenon
volitará das montanhas em bruma
até aos confins dos mares,
por noites infindas, sem lua.
Tufões o seguirão, nos seus retiros
aos vales de fumo e treva -
dantes metrópoles rígidas .

Um século, talvez,
talvez milênios,
tombados sobre os escombros
do Cristo Redentor
no Corcovado,
ainda eclodirá nas vastidões de Hades,
o réquiem do humano ciclo.

“Requiescant in pace”
entre os filhos melhores dos homens,
os deuses todos, malditos
deuses que os não protegeram...

Bem hajam futuros lampejos de sol no céu turvo!
 Atinjam os cimos gelados da crosta!
 Aqueçam antigas campinas,
devolvam-lhe os ribeiros, tragam tempestades
que despoluam o ar!

Que, por milagre, enfim, algum arbusto cresça 
e a Terra possa retomar o seu destino!...





(Poema de Sersank, do livro "Estado de Espírito")




domingo, 6 de fevereiro de 2011

POEMA DA NOITE VAZIA


O poeta Mario Quintana em seu quarto no Hotel Majestik
 (hoje Casa de Cultura Mario Quintana - PA)
Fonte:


Depois de algum tempo
pensando o poema,
queda, a um suspiro,
inerte, a caneta -
leve instrumento
que a mão do poeta
mal soube tocar...

Noite asfixiante. 
A saúde precária.
A casa deserta.
À janela, entreaberta,
nuvens espessas
cobrindo o luar.

Exausto, cerro a cortina.
Dispo-me, agora, me deito.
Não quero, esta noite,
nem ler, nem rezar.

Sou - tal me sinto - um ser ectoplásmico -
vulto sem cor, crença ou pátria,
duplo etéreo, extemporâneo,
de um homem que se desconhece
e deixa a vida o levar.

Um outro e melhor poema
não me daria esta noite
com suas nuvens espessas
a recobrir o luar...


(Do Livro "Estado de Espírito", de Sersank)