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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013








Passagem da noite
                     Carlos Drummond de Andrade

É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.

Sinto que nós somos noite,

que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.

E que adianta uma lâmpada?
E que adianta uma voz?
É noite no meu amigo.
É noite no submarino.
É noite na roça grande.

É noite, não é morte, é noite

de sono espesso e sem praia.
Não é dor, nem paz, é noite,
é perfeitamente a noite.

Mas salve, olhar de alegria!
E salve dia que surge!
Os corpos saltam do sono,
o mundo se recompõe.

Que gozo na bicicleta!
Existir: seja como for.
A fraterna entrega do pão.
Amar: mesmo nas canções.

De novo andar: as distâncias,

as cores, posse das ruas.
Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!

Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos!

Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é
viver!

Foto cedida by Khosrow Amirazodi





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