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sábado, 7 de agosto de 2010
FRAGMENTO DA INFÂNCIA
(Tarde)
Aquela fora, sem dúvida, a mais fria das tardes do outono.
Ao pé do velho fogão de lenha aceso, meus irmãos menores e eu, metidos em blusas e japonas bem surradas, esperávamos, impacientes, pelo jantar muito simples que as mãos prodigiosas de nossa mãe esmeravam-se em tornar do agrado geral.
Inusitado ruído na porta da frente, então, sobressaltou-nos. Seria o vento? Nosso pai que estava algo absorto junto à mesa ergueu-se e, foi destrancá-la, cautelosamente.
Eram os velhos espectros da Miséria e do Infortúnio, o par sinistro, inseparável, que não se cansa de rondar lares humildes, tudo fazendo por roubar-lhes o que resta: as poucas reservas de paz, a leve esperança que têm...
Com sua energia característica, embora a custo, ele os conteve, à porta. Sobre os seus ombros, uma e outra, as tais formas horrendas, lançavam sobre nós os seus olhares sepulcrais. Exortadas com veemência, tornaram à rua estreita onde a espessa neblina as tragou.
-“Que não ousassem jamais adentrar-nos a casa!”...
Nunca mais pude esquecer essa firme expressão de coragem.
- "Que não ousassem!”...
Quantas vezes, mais tarde, insistissem, mais que com a energia dos braços, fustigá-las-íamos com brio idêntico àquele que vimos, naquele dia, estampado no olhar de guerreiro de um pai.
(Do livro de Sersank, "Estado de Espírito", a sair)
Imagem:
http://www.fotodependente.com/img1456.htm
Sobre a crônica
ResponderExcluir“Fragmentos de Infância” (Tarde)
ROSANE Cherem de Abreu, de Florianópolis)
8 ago 2010
Parabéns para ti, Sérgio. Hoje lembrei do meu falecido pai. Faz falta esse elo da corrente.
Abraços.
Rô