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domingo, 1 de junho de 2025

Repensando a questão do Aborto ( em sua complexidade)

 

 

Imagem do Google - Father-and-son-3295190_1280.jpg

 

O FILHO QUE NÃO TIVEMOS

Sergio de Sersank

 

Avançam pela fria madrugada as horas intermináveis.

Eu o escuto de novo

bater levemente, à porta...

Inútil, porém, abri-la.

Não tem ninguém lá.

 

Ele, invisivelmente, bate.

Passa-me a impressão de estar infeliz

na escuridão

no frio lá fora...

 

Foi uma decisão infeliz aquela

nos primeiros anos de casamento.

Éramos muito pobres.

Entendíamos que uma criança

nascida naquele contexto de dificuldades financeiras

não seria plenamente saudável e feliz...

 

A noite avança.

Sigo bebendo.

Sibila o vento pelas frestas das janelas.

 

E o filho que não tivemos, insistentemente bate.

Pergunta pela mãe que nunca lhe cantou uma cantiga de ninar

e mesmo assim a amou desde o princípio.

 

Minha mulher repousa em sono profundo.

Não a acordaria agora.

Arrasto-me aos confins de um precipício interno.

 

Talvez a demover-me dessa angústia

ele me vem pedir:

- Abre a porta, Pai!

 

Envelhecemos.

Já nem teria forças para abrir a porta.

É bom que a companheira nessas horas durma.

É frágil, anda adoecida.

 

Tornaram-se cada dia mais difíceis as coisas.

Falta-nos, agora, o necessário.

Nem sempre nos brindamos com frugal almoço

ou simples jantar.

 

Ele bate-me à porta.

Ouço-o no rumor do vento.

Sinto profundamente sua falta.

Ah, se tivéssemos conosco,

a nos enternecer com suas narrativas

e a nos confortar com seus afagos,

o filho que não tivemos!

 

Por algum tempo

eu o imaginei nos seus primeiros meses:

menino feliz, vivaz e sorridente

depois - crescendo mais

já nos dizendo

palavras afetivas, corriqueiras.

 

Reinvento detalhes de nosso possível convívio

e do seu extremado amor.

Sinto sua falta

a suavidade dos seus beijos.

 

Certamente amaria demais sua mãe.

Ter-me-ia por ídolo seu.

E eu ficaria encantado

toda vez que o ouvisse a me chamar: - Papai!

 

Talvez ele tenha vindo se despedir e nunca mais volte.

 

Escuto, agora, apenas o vento e me pergunto

decorridos tantos anos:

- Por que você veio, de novo,

filho bom que não tivemos?

 

Londrina, 13out2013


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