Páginas

segunda-feira, 27 de julho de 2020

APONTAMENTO



Imagem gratuita, disponível no Google


AOS QUE SE AFASTAM DE MIM

Pode parecer estranho, mas não me importo se um amigo ou amiga se afasta de mim. Já muitos deles passaram para o outro lado da calçada que sigo. Uns porque já não mais encontravam em mim a pessoa certa, aquela apta a ajudá-los ou sempre pronta a ouvi-los, outros e outras porque se desgostaram de algo que eu possa ter feito ou dito. Vão-se depressa ou devagar. No fundo, por suposto, tinham ideias diferentes ou mesmo antagônicas às minhas. E eu que sou dos que vivem no mundo imensurável das ideias, respeitando a todos que pensam diferentemente de mim, agradeço-os por não mais tê-los inclusos em meu pequeno universo de relações pessoais.
Acho até bom que tenham se afastado pois que se assim o fizeram já não eram mais amigos. Talvez se julgavam (e talvez fossem) superiores a mim. O fato é que não somos perfeitos. Ninguém é.
Gratifica-me saber que permanecem ainda, do mesmo lado da minha calçada, com o passar dos anos e, apesar dos pesares, pessoas admiráveis, das mais simples às mais cultas, cuja amizade muito me honra. Aqui incluo os que partiram para outros lugares ou se foram para a eternidade e continuarão sempre amigos.
Aos que definitivamente se afastaram desejo que encontrem o que buscam e sejam felizes.
Mas, devo dizer, com sinceridade e uma ponta de tristeza: muitos dos amigos que se foram deixaram-me nos dias mais difíceis que vivi. E sabiam disso.
Sergio de Sersank, 26 de julho de 2020.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

SONHO DE ARTE



Imagem do Google – (Desconheço a autoria)


“O meu sonho de arte, modesto e calado, é que o artista desapareça, desapareçam as pretensões à durabilidade, desapareça todo sectarismo e todo exclusivismo, desapareça toda política e toda vontade de predomínio. E o poeta se resigne - corajosa e serenamente - a ser apenas uma voz que passa, boa, bela, excelente, se no momento em que passava lançou, deveras, em algumas almas, um pouco do prazer divino da ideia e do sonho. E, assim, a poesia seja uma perpétua sucessão de flores de um dia, contentes de viver um instante no perpétuo esplendor das coisas transitórias."
(Amadeu Amaral, in Poesia de Ontem e de Hoje - livro: "O Elogio da Mediocridade" - Hucitec - S. Paulo, 1976


Na aventura das palavras


Sergio de Sersank


Diáfana esfera azulada
gira na folha branca.
Ouso a catarse
o êxtase
a aventura do poema.

Vejo em praia longínqua
de alforje molhado aos ombros
um náufrago: Camões.
Os sonhos e proezas dos lusíadas
em seus manuscritos cantos
eternizados na história.

Ouso a aventura:
pensar o poema.
Vazá-lo por entre os dedos
como vazasse dos pulsos
o sangue na esfera
circundada de estrelas.
O vento a trazer lembranças
de amores extintos nas brumas
descompassadas do tempo.

Ao correr da pena
movo, removo imagens
(re) ordeno sentimentos
dou-lhes o matiz que entendo mais conveniente
no afã de ter
por fim talvez desútil mas inteira
a tela desejada, multicor.

Ah, pensar o poema
tentar concebê-lo
como rara flor de píncaro
salva ao turbilhão de raios
vendavais
 e enxurradas
no branco imenso da folha.

Pensá-lo quando estende-se a noite 
e entre brilhos de festa incessante
 apagam-se estrelas.
Ouvir sem desesperar-se
o canto de um cisne
 no lago em que a lua a rir-se
convida ao afogamento.

Pensar o poema:
a vida que segue
o bem que nos traz o amor
o amor que nos traz o bem.

Na alvura da folha frágil
sondar enigmas:
a impermanência dos seres
sua dor de viver tendo à volta
sempre o temor de morrer
o temor
 de acabar como tudo acaba.

Divino é nesse píncaro de raios
em que se isola e se alteia
ousar a aventura do poema
vazá-lo por entre os dedos
a própria vida a sumir-se
no branco imenso da folha. 

Londrina, 28 de janeiro de 2016







quinta-feira, 2 de julho de 2020