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sábado, 2 de maio de 2020

TEMPOS DE CALAMIDADE




CABO DE GUERRA



Sinto que os dias começam a ser cada vez mais tristes pelos alarmantes números estatísticos de avanço da COVID-19 no Brasil e demais países.
Há, por aqui, otimistas ainda. Dentre estes, os que acreditam que tudo é fruto de uma programação espiritual com vistas à regeneração da sociedade mundial. Sairemos disso, dizem, melhores e mais preparados, como sociedades humanas. Faremos desse limitado espaço em que vivemos um lugar melhor. Mas isso, não parece ser outra coisa que não a escamoteação da realidade. Uma espécie de refúgio no pieguismo da resignação. Quem sabe um dia, possamos mesmo ter um mundo de todos, sem desigualdades, sem preconceitos, sem ódio, sem injustiças e sem governos hipócritas. Quem sabe possamos ter um mundo mais solidário?  Ninguém perde nada pensando assim.
O fato é que o pessimismo já se instalou.Ninguém duvida que a ciência poderá desenvolver a esperada vacina e com ela irá deter de uma vez por todas a propagação do Sarscov-2. Mas a pandemia pode demorar o suficiente pra nos deixar em pânico generalizado. E se vier, nesse meio tempo, uma segunda onda, quem sabe a COVID-20? Ou outra nova pandemia?
Hoje, pela tarde, em mais um dia de isolamento, meio que desesperançado, deitei-me no piso do quarto em casa e sob a pálida luz do sol que se extinguia no horizonte pelo quadro da janela fiquei a refletir nas possíveis consequências deste mal que vem se alastrando no mundo. A COVID-19 é uma doença introduzida em todos os países pelos cidadãos mais ricos e está a aterrorizar os pobres do mundo. O que será de todos nós quando a pandemia adentrar as ruas das periferias, as favelas, os presídios?
Levantei-me com raiva. Pensei nas inumeráveis vidas que vem sendo ceifadas enquanto há quem diga como um certo presidente aloprado, que isso não é nada, apenas uma gripezinha...
Sei que tudo de ora em diante será mais difícil. Há de faltar comida nas mesas dos pobres. Há de faltar paciência entre os mais favorecidos pela sorte. E serão justamente esses que irão verticalizar ainda mais os índices contrariando as leis.  Já estão se articulando para romper o isolamento social. Querem a todo custo instigar os seus empregados a romper as normas em curso. Querem fazê-los voltar ao trabalho, mesmo que se exponham aos riscos do contágio. Querem, gananciosos, garantir-se, ativos e atuantes no “Mercado”, ganhar seu dinheiro. Dinheiro, dinheiro! E somente os trabalhadores lhes podem propiciar isso. Sairão em carreatas às ruas. Pressionarão os órgãos públicos, obterão licenças, abrirão as portas de suas lojas, fábricas, escritórios, hotéis, indústrias. Danem-se os que vão morrer. Precisam de dinheiro para “garantir” empregos e “salvar” a economia do país.
Aos olhos do alucinado Presidente que idolatram e que responde ao que lhe questiona sobre as incontáveis mortes com a indiferente expressão: E daí? (Querendo talvez dizer: Foda-se!) é a razão que os motiva a agir assim.
Multidões de operários, agentes de saúde, trabalhadores braçais, autônomos e prestadores de serviços, conscientizados da ameaça que paira sobre eles, experimentam conflitos. Muitos já morreram.
Eles veem-se, agora, ante milhares de covas abertas, forçados a voltar ao trabalho e a continuar em seus postos de subalternidade. Têm que aderir aos interesses dos governantes, dos patrões e dos banqueiros para não ter que abrir mão de seus empregos, malgrado as garantias constitucionais. Sabem que perderão como sempre perdem os que estão do lado fraco deste excruciante cabo de guerra.
A verdade nua e crua com que se deparam ao levantar-se nas manhãs de suas noites indormidas é que a COVID-19 avança celeremente e quando ela passar, (se passar), certamente terá iniciado uma nova realidade social no mundo. Talvez pior que a de antes.