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domingo, 29 de setembro de 2019







Ao anoitecer
Sergio de Sersank



Céu em sombras, sem estrelas.
Lua triste, esmorecida.
Ouço o sino do meu peito,
ouço-lhe a fraca batida:

“No lago em que te contemplas
nunca mais serás visível.
Em breve o teu Universo
irá sumir-se contigo.”

Fantasmas de rostos tristes
talvez comentem: “- Por que
a morte ainda aflige tanto
se precisamos morrer?”

Há outras humanidades
no Cósmico Pensamento?
Bilhões de estrelas distantes
já se apagaram no tempo.

Se existem,  são como somos,
gente em busca do saber.
E vivem como vivemos:
escravos de algum poder.

Importa se irão findar-se?
Vivem, apenas vivem
como árvores e peixes
e borboletas azuis...

Quem há de entender os planos
dos deuses que nunca vêm?
Se estamos sós no Universo
por que há de fazer-se o bem?

Assim como os dias trazem
manhãs de sol e de chuvas
há de o mistério da vida
levar-nos, vidas além?




Londrina, 11jan2017

A gente não muda muito, não difere tanto dos jovens que um dia fomos. O tempo nos desfigura, mas o que sentíamos em relação ao mundo, ao que sonhávamos, permanece sempre vivo em nós. (Sersank)

Coisas da Infância








CANTIGA DE REVOAR
Sergio de Sersank

Ouço, quieto, os passarinhos
que o dia sabe sem muros.
Falam-me de seus ninhos,
planícies,  frutos maduros.

Se a noite lhes foi de agruras
sob vento e chuva fria,
eis que pleno de aventuras
o sol lhes abre outro dia.

Imune às leis do Destino,
nos meus voos de menino,
também mil proezas fiz!

O céu sob os pés, sem medo,
bem conhecia o segredo
de ser, como eles, feliz!

Londrina, 28 de junho de 2013



terça-feira, 24 de setembro de 2019

Um pouco de nostalgia


Autor desconhecido


ODE AOS MEUS PÉS
(Relembranças)
Sersank

Nesta noite em que me via mais só do que nunca
em que nem a música do rádio
a paz da lua cheia
ou as estrelas no céu sem nuvens
afastavam-me a melancolia -
esse gosto de licor amargo
que sempre quis evitar -
deixei a janela de vidro
sentei-me no leito hospitalar
e estou agora a tocar os meus pés.
                       
Dão-me notícias
de dias há muito arrancados
ao calendário dos anos:

trilhas
pastos plantações pomares
estilingue no peito
estradas boiadeiras
vendas vales valetas
pontes e rios.

Recordam-me esquinas cobertas de grama
peladas de futebol
pedras e chinelos demarcando
limites ao gol.

Dias de pipas ao vento
de andar pelas ruas com pernas de pau
carrinhos de rolimã
jogos de malhas nas ruas vermelhas
bola a doer nas queimadas
pulos de amarelinhas,
batidas de bets
partidas de bochas
pião bilboquê burquinhas.
Dias festivos:
quermesses
corridas de saco
pau-de-sebo
banhos de rio.


Velhos e sofridos pés.
Lembram-me a escola primária -
o edifício amarelado
de muros altos que não me continham
e onde a “Cartilha Suave”
do ler e escrever descortinou-me o mundo.

Saudade: aquelas manhãs de frio
o leite quente em casa
o pão de forno caseiro.

As aulas de Dona Filinha
inesquecível amiga:
ela toda atenção e carinho
e sempre um moleque ou outro
na sala querendo briga.

Enquanto corríamos doidos
os meninos
no recreio
ouvia a cantiga no pátio:

“Ciranda, cirandinha,
vamos todos cirandar
vamos dar a meia volta
volta e meia vamos dar.”

......

Ventura tocá-los ainda.
Estes pés rebeldes
cansados
já não se atrevem a colher mangas nos quintais vizinhos
mas me devolvem a grata magia
de viver sem pressa.

......

À luz de um poste fraquinha
ouço meninas e meninos.
Tento revê-los, um a um,
nos toscos bancos de madeira
os pés se tocando,
a empurrões e risadas.

Noites de lua (folguedos):
passa-anel
rei-rainha
pique-salva
garrafão.

Noites escuras e frias (o medo):
Tempos de afrontamento
às almas penadas das ruas
e a gente contando
causos de assombração.

.......

Perdi como perdemos
ao calendário dos anos
a infância
aquelas tardes de chuva fina molhando a roupa
seus dias plenos de sol.

.......

Meus pés. Estes pés. Tentativas
nem sempre bem sucedidas
de varar o pano dos circos.
Entradas triunfais no salão do cinema.
Passos a dois no primeiro namoro.
Passeios na praça da Igreja.

Estes mesmos pés no trabalho duro
mal remunerado
e em fuga da escola.
Meses de vadiagem
dificuldades sem fim.

O filho do sapateiro,
queria ganhar o mundo
e o tempo a girar continuamente
na ampulheta dos dias
fazia-me pescador que volta
sem peixe, ao cair das tardes.

Vieram lutas e lutas
ao longo da trajetória.
Um casamento acabou-se
ainda na mocidade.
O outro consolidado
na madureza, perdura.

Filhos nasceram, cresceram
e - partes dessa aventura -
deram-me netos, abriram
outros, melhores destinos.

Sabem estes pés
de envelhecidos sonhos
do menino que sou.

Agora -
chegada a vez de transpassar
a nebulosa ponte
que de tudo nos separa -
certo estou de retomar roteiros
em que não mais me serão necessários
e assim como de tudo me despeço
digo adeus aos meus pés.

Devo-lhes muito.
Sangrando nas sendas de pedra
trouxeram-me ao tempo
que ansiava viver.

Afastam-me agora a tristeza.
Dão-me a certeza
de que sob as asas da alma
Não param. Não podem parar.
Aos píncaros mais altos da existência humana
meus pés
meus velhos, sofridos pés,
hão de, por certo, chegar.


  

Londrina, 20 de setembro de 2019.


sábado, 21 de setembro de 2019

SAUDAÇÃO À PRIMAVERA




SETEMBRO

(Minha primeira poesia publicada, escrita aos 17 anos)

Setembro. O inverno termina.
Há flores desabrochando
e pássaros chilreando
nas árvores do pomar.
O céu, diáfano, azul,
tem algo a mais que extasia.
A natureza irradia
cantigas do verbo “amar”.

O mundo se modifica
e exibe ao sol suas cores.
Nos bosques há mais olores,
nas cidades – mais bonança!
De verde estampam-se os prados
e eis de volta a primavera,
prenúncio da nova era
para a qual a gente avança.

Setembro. Mês de sorrisos!
No riacho que desliza,
ao tênue sopro da brisa
e em tudo há versos de amor.
Só os insensíveis não notam
nesses toques de beleza
a oblação da natureza
à glória do Criador.

Setembro...  A história, os anseios
dos heróis da Inconfidência!
O grito da independência,
O verde-louro pendão!
Brasil! ... Nossa brava gente
que sofre e trabalha duro
para colher no futuro
os trunfos da redenção! ...

Setembro... Um mês mais que os outros
repletado de saudade,
recorda a felicidade
de outras vidas que vivi.
Me diz de amizades caras
que espero, um dia, rever
porque me resta dizer:
em setembro renasci...
  

Florestópolis, 3 de setembro de 1970.
(Poema publicado no periódico espírita “O Imortal” da cidade de Cambé-PR, em setembro de 1972)