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sábado, 28 de novembro de 2015

Na madrugada, um poema. Imenso.Triste. Profundo.







“A poesia pode ser bela, tocante, plena se não vier a perder-se nos labirínticos meandros do concretismo, se não se firmar sobre o solo arenoso dos símbolos enigmáticos e das metáforas incompreensíveis, se não se enclausurar, enfim, sob o azorrague dos carrascos do lirismo quais os que subjugaram o movimento poético dos últimos anos e que certamente tudo fizeram por colocar os livros de poesia nos níveis mais inferiores das bibliotecas e livrarias.” (Sersank)







O CAMINHO BRANCO


Vou por um caminho branco
Viajo sem levar nada.
Minhas mãos estão vazias.
Minha boca está calada.
Vou só com o meu silêncio
e a minha madrugada.
Não escuto, entre os barrancos,
a voz do galo estridente
que, na treva do terreiro,
anuncia as alvoradas.
Nem mesmo escuto a minha alma:
não sei se ela vai dormindo
ou me acompanha acordada,
se ela é vento ou se ela é cinza
ou nuvem rubra raiante
no dia que se levanta
como vela desdobrada
em nave que corta as vagas.
Não sei nem mesmo se é alma
ou apenas sal de lágrimas.
Vou por um
caminho branco
que parece a Via Láctea.
Só sei que vou tão sozinho
que nem sequer me acompanho,
como se eu fosse um caminho
pisado por vulto estranho.
Não sei se é dia ou se é noite
o que surge à minha frente,
se é fantasma do passado
ou vivente do presente.
Não sei se é a torrente clara
da água que corre entre pedras
ou se um gavião me espreita
oculto no nevoeiro,
espantalho prometido
ao meu dia derradeiro.
Atravessando barrancos
e plantações de tomate
e ouvindo o canto escarlate
de airosos galos polacos,
vou por um caminho branco:
brancura de bruma e prata.
Entre tufos de carqueja
há constelações de orvalho
e um clarão de meio-dia
cega a minha madrugada.
Vou como vim, sem saber
a razão da travessia.
Nem sequer levo na boca
o gosto de água salgada
que relembra a minha infância
feita de mar e de mangue.
Nem sequer levo nos olhos
- nos meus olhos de menino -
a mancha rubra de sangue
deixada pelo assassino
que vi certa madrugada.
Vou por um caminho branco
e nada levo nem tenho:
nem ninho de passarinho
nem fogo santo de lenho.
Só vou levando o meu nada.
Foi tudo quanto juntei
para oferecer a Deus
nesta madrugada.

LÊDO IVO
Maceió (18/02/1924) – Sevilha (23/12/2012)





BiografiaLêdo Ivo (Maceió AL 1924 - Espanha, Sevilha 2012). Poeta, romancista, contista, cronista, jornalista e ensaísta. Em 1940, transfere-se para o Recife e, influenciado pelo ambiente intelectual da cidade, publica poemas e artigos na imprensa local. Três anos mais tarde, muda-se para o Rio de Janeiro, e estuda na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Passa a trabalhar na imprensa carioca como jornalista profissional, colaborando com textos literários e reportagens. Em 1944, publica seus primeiros poemas no livro As Imaginações. Os anos subsequentes vêem sua obra literária ganhar corpo com o lançamento de poesias, romances, contos, crônicas e ensaios. Em 1949, forma-se em direito, mas não exerce a profissão de advogado, preferindo a carreira jornalística e de literato. É eleito em 1986 para ocupar a cadeira número 10 da Academia Brasileira de Letras - ABL. Em 2004 é lançada a primeira edição de suas obras completas, com seis décadas de poesia e prosa. Para os críticos e historiadores literários, Ivo filia-se à terceira geração do modernismo, com evidente preocupação com a linguagem e o retorno a sensos estéticos anteriores à fase experimental do movimento. Em 2006, doa seu arquivo pessoal, reunindo correspondências, manuscritos, recortes de jornais e fotografias, ao Instituto Moreira Salles - IMS, de São Paulo.

Fonte:

consultormei.blogspot.com.br


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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

ROMANTISMO




Imagem disponível no Google

Névoas


Nas horas tardias que a noite desmaia 
Que rolam na praia mil vagas azuis, 
E a lua cercada de pálida chama 
Nos mares derrama seu pranto de luz, 

Eu vi entre os flocos de névoas imensas, 
Que em grutas extensas se elevam no ar, 
Um corpo de fada - sereno, dormindo, 
Tranquila sorrindo num brando sonhar. 

Na forma de neve - puríssima e nua -
Um raio da lua de manso batia, 
E assim reclinada no túrbido leito 
Seu pálido peito de amores tremia. 

Oh! filha das névoas! das veigas viçosas, 
Das verdes, cheirosas roseiras do céu, 
Acaso rolaste tão bela dormindo, 
E dormes, sorrindo, das nuvens no véu? 

O orvalho das noites congela-te a fronte, 
As orlas do monte se escondem nas brumas, 
E queda repousas num mar de neblina, 
Qual pérola fina no leito de espumas! 

Nas nuas espáduas, dos astros dormentes 
- Tão frio - não sentes o pranto filtrar? 
E as asas, de prata do gênio das noites 
Em tíbios açoites a trança agitar? 

Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo 
De um férvido beijo gozares em vão!... 
Os astros sem alma se cansam de olhar-te, 
Nem podem amar-te, nem dizem paixão! 

E as auras passavam - e as névoas tremiam 
- E os gênios corriam - no espaço a cantar, 
Mas ela dormia tão pura e divina 
Qual pálida ondina nas águas do mar! 

Imagem formosa das nuvens da Ilíria, 
- Brilhante Valquíria - das brumas do Norte, 
Não ouves ao menos do bardo os clamores, 
Envolto em vapores - mais fria que a morte! 

Oh! vem; vem, minh'alma! teu rosto gelado, 
Teu seio molhado de orvalho brilhante, 
Eu quero aquecê-los no peito incendido, 
- Contar-te ao ouvido paixão delirante!... 

Assim eu clamava tristonho e pendido, 
Ouvindo o gemido da onda na praia, 
Na hora em que fogem as névoas sombrias 
- Nas horas tardias que a noite desmaia. 

E as brisas da aurora ligeiras corriam. 
No leito batiam da fada divina... 
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem, 
E a pálida imagem desfez-se em - neblina!


Fagundes Varela 



Wilson Martins
Poeta maldito
Jornal do Brasil
3.12.2005
Em nossas letras, Fagundes Varela é figura paradigmática do poeta maldito, numa escala em que, aliás, não eram os poetas tenebrosos que faltavam (Melhores poemas, Sel. Antônio Carlos Secchin. São Paulo: Global, 2005). Em 1861, as Noturnas, seu livro de estréia, continham dez poemas arcaizantes, prolongando a atmosfera byroniana da Academia de São Paulo na geração anterior: “A temática do maldito e do errante, do foragido e desenraizado predomina nesses poucos poemas, escritos no período em que ele ‘escolhia’ existencialmente a sua própria biografia (O foragido, Fragmentos, Sobre um túmulo, Tristeza), descontada a espórtula que pagou à imitação literária e aos lugares-comuns da escola”, observei na História da inteligência brasileira.
Não era, contudo, e à diferença de tantos outros, uma atitude literária ou cacoete romântico: era um destino e uma condenação prometéica. Nas palavras de Antônio Carlos Sechin, “toda a sua vida foi marcada por desencontros, projetos inconclusos, infortúnios. Na vida acadêmica, não conseguiu concluir o curso de Direito (...) na vida afetiva, foi infeliz nos dois casamentos ... dois dos seus filhos morreram antes do primeiro aniversário... dependia financeiramente do pai.. zanzou, bêbado, por lugarejos e fazendas fluminenses, declamando de improviso versos que passaram à tradição oral (...)”.
Nos românticos da geração anterior, o byronismo foi uma extravagância de juventude; ele, chegando “tarde demais num mundo demasiadamente velho”, viveu a frustração de não poder competir em igualdade, menos ainda superar, os marcos que outros haviam plantado antes dele. Sua vida desregrada foi uma vingança, uma reação de ressentimento. Era também uma obsessão obscura: em 1865, prefaciando os Cantos e fantasia, Ferreira de Menezes dizia tratar-se da “ressureição de Álvares de Azevedo”, mas, acrescento por minha conta, ele apresentava sobre o autor adolescente da Lira dos vinte anos a vantagem do amadurecimento emocional e poético. O volume incorporou para sempre à nossa literatura o “Cântico do Calvário”, além de introduzir uma nota nova no lirismo amoroso: a desgraça de uma personalidade anormal, condenada sem esperança à infelicidade e ao sofrimento.
Falecendo em 1875, ele deixou no prelo Anchieta ou O Evangelho nas selvas, tentativa, ao mesmo tempo, de epopéia cristã e reafirmação de fidelidade católica e jesuítica, linha de inspiração que seria retomada por Bittencourt Sampaio, em 1882, com A divina epopéia de João Evangelista, paráfrase evangélica a colocar na mesma estante da paráfrase vareliana da história sagrada. De fato, seus mais de oito mil decassílabos brancos, escreve Antônio Carlos Secchin, “revelam um escritor de grande domínio técnico, embora o imperativo de obediência à narrativa do Novo Testamento acabe freando maiores ímpetos de imaginação, reduzindo o nível do texto a uma mediania algo tediosa ao leitor não particularmente aficionado do assunto”. É o menos que se pode dizer a respeito de um poema mais propenso a desencorajar a fé do que a estimulá-la. Para compô-lo em alto plano poético seria preciso um pensamento poderoso, uma maturidade filosófica e uma inspiração épica que lhe faltavam por completo, idealmente imagináveis na pena de um Antônio Vieira, não na do bem intencionado Anchieta.
Sua incapacidade para tratá-lo aparece desde logo na ficção de que se serviu: os Evangelhos explicados aos índios, o que corresponde a ignorar-lhes a grandeza e a essência. Sua tarefa seria, antes, a de “interpretar” e não a de parafrasear, seria, por assim dizer, “criá-los” no piano poético, como Victor Hugo criou a história da humanidade na Légende des siêcles. Quando Varela se atreve a abandonar os carreiros estreitos da paráfrase é para cair, ou na heresia teológica, apresentando Sócrates como precursor de Jesus, ou na antecipação malvinda, com a antevisão do continente americano, ou no anacronismo puro e simples, colocando os Francos na Gália ao tempo de Jesus. Nesse quadro, surpreende encontrá-lo compromissado com a realidade social e política do momento, a exemplo do poema “A estátua eqüestre”, que encerra o volume de 1861. Trata-se da enorme polêmica que agitara o país em 1855, quando Haddock Lobo propôs à Câmara Municipal do Rio erguer um monumento ao fundador do Império, na praça da Constituição. Àquela altura, o projeto não despertou nenhum antagonismo, abrindo-se o concurso em que foi escolhido o modelo do escultor Mafra, mandado executar em Paris.
Contudo, ao se aproximar a data da inauguração, os liberais mais exaltados e os republicanos viram nessa homenagem uma tentativa dissimulada de revitalizar as instituições monárquicas. Publicado no momento da inauguração, um poema célebre de Pedro Luís chamava à estátua “mentira de bronze”, opondo a Pedro I o nome de Tiradentes como verdadeiro herói da emancipação brasileira. Datado de 1861, o poema de Varela insiste nos mesmos temas, nas mesmas imagens e paralelos históricos: “Ergue-te ousado sobre o chão da praça,/ Homem de bronze – imagem de monarca / Simulacro fatal! (...) Raça de ilotas ... por que reledes o passado escuro / Quando deveras derribar os tronos / Cantando a liberdade ? // Vota-se à treva o busto dos Andradas, / Some-se a glória de ferventes mártires / Na lama do ervaçal! / Mas fria a estátua pisa a turba, como / As dura patas do corcel de bronze / O chão do pedestal!”.
O poeta também comungou na indignação coletiva por ocasião da famosa Questão Christie – “diplomata insolente, ave maldita”: “Dize, filho da sombra, – onde aprendeste / A voar como as àguias ? ”. Reconheçamos que não estava nada mal no seu gênero, inspirando-lhe ainda, com o poema “ A São Paulo”, pátria de heróis, berço de guerreiros “, uma das páginas mais belas e perfeitas de nossa literatura poética, tanto mais admirável quanto não faz a menor alusão ao incidente diplomático: ”Foi no teu solo, em borbotões de sangue/ Que a fronte ergueram destemidos bravos (...). O que, sub-reptícia e ironicamente, significava restituir a Pedro I o seu papel no processo da Independência...
http://www.jornaldepoesia.jor.br/fvarela.html
http://www.jornaldepoesia.jor.br/wilsonmartins.html